DAMARIS PASSOS DA SILVA[1]
GILVANETE FERREIRA DE BRITO[2]
PAULO MONTEIRO DOS SANTOS[3]
1 INTRODUÇÃO
Em mil e quinhentos os portugueses
desbravaram no Brasil, e de lá para cá, vemos que aquilo que se deu com os
índios em nosso território, (não só no território brasileiro, mas em quase todo
o território das Américas, desde Canadá até no Brasil) foi um confronto de
cultura que terminou com o extermínio das tradições e da identidade dos povos indígenas.
Este confronto não foi apenas uma
guerra de cultura, mas também uma guerra no sentido da própria matança do
índio, que nada mais era que as formas de como os colonizadores acharam para
destruir a cultura dos povos nativos.
Sua língua, suas tradições, sua
forma de ser, sua religião, em fim uma, infinidade de estratégias para corroer
os costumes dos nativos e tomar-lhes os seus bens mais significativos que era o
território e as riquezas de sua terra.
Neste pequeno artigo iremos tratar
de maneira simplória como se evidencia este confronto de cultura entre o
colonizador e o colonizado; o porquê de o índio ter se encantado com a cultura
ocidental, e logo em seguida o confronto entre índio e colonizador.
É importante falarmos que os povos
que aqui habitavam não constituíam uma nação como entendemos aquilo que se
denomina por nação, ou seja, povos de uma mesma identidade, costumes e cultura.
Os nativos nas Américas eram formados por grupos étnicos bem diferenciados. No
dizer de Darcy Ribeiro (1995)
[...] Não
era, obviamente, uma nação, porque eles não se sabiam tantos nem tão
dominadores. Eram, tão-só, uma miríade de povos tribais, falando línguas do
mesmo tronco, dialetos de uma mesma língua, cada um dos quais, ao crescer, se
bipartia, fazendo dois povos que começavam a se diferenciar e logo se
desconheciam e se hostilizavam. (p. 29)
Sendo assim podemos dizer que os
silvícolas, na época em questão, tinham suas diferenças entre si. O espanhol e
o português se aproveitaram disso para que se facilitasse o poder de dominação
e imposição da cultura ocidental, no caso a do colonizador.
Para esta analise usaremos o texto
de Jorge Luis Borges (1999), História do
Guerreiro e da Cativa, e A carta de
Nicolas Durand de Villegagnon a João Calvino, texto retirado da obra de
Jean de Léry (2007), Viagem a Terra do
Brasil, entre outros teóricos que darão suporto para está analise.
Dissertaremos o nosso tema em dois
capítulos, o primeiro conta-se o encontro das duas culturas, a do europeu e a
do índio. No segundo capítulo esboçaremos o confronto destas culturas tão
opostas ou “as opostas visões” como assim reflete Darcy Ribeiro (1995, p.43).
Esperamos com este artigo trazem a luz novas ideias ao campo da cultura indígena
e brasileira como um todo.
2
O ENCONTRO ENTRE O ÍNDIO E O EUROPEU
A princípio este encontro entre esses
dois povos, tão diferentes em seus costumes, foi de caráter amigável, pelo
menos no que se refere entre o português e os índios no Brasil. Como observa
Darcy Ribeiro (1995, p. 42): “Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam
os índios.”
Os europeus eram qualquer coisa de
fantástico para os nativos, seres vindos de terras sagradas.
Os índios
perceberam a chegada do europeu como um acontecimento espantoso, só assimilável
em sua visão mítica do mundo. Seriam gente de seu deus sol, o criador – Maíra -,
que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como
interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos, espoliadores
ou dadores. (RIBEIRO, 1995, p. 42)
Isso ficou evidente para aquela
gente que nunca na vida tinham visto pessoas tão diferentes de sua cultura.
Está magnífica visão diante do novo fez com que os nativos se encantassem pela
aquela gente.
Assim também sucedeu com o jovem Droctulft
que segundo Borges (1999, p. 39) “ [...] foi um guerreiro lombardo que, no
assédio de Ravena, abandonou os seus e morreu defendendo a cidade que antes
havia atacado.” Podemos assimilar a
história do jovem Droctulft com as dos povos indígenas? Cremos que sim.
Lembramos que este Droctulft era um
bárbaro, e os bárbaros estavam querendo derrubar o império romano, mas este
jovem guerreiro resolve mudar de lado e lutar a favor de Roma contra os
invasores do império.
Mas o que se deu para que Droctulft
mudasse de ideia? Quais os mecanismo que o fizeram recuar para a outra face da
moeda? Pois diz-nos Borges (1999) sobre este Droctulft:
[...] Porem
mais congruente é imaginá-lo devoto da Terra, e de Hertha, cujo ídolo coberto
ia cabana em cabana num carro puxado por vacas, ou dos deuses de guerra e do
trono, que eram toscas figuras de madeira, envoltas em roupas tecida e
recoberta de moedas e argolas. Vinha das selvas inextricáveis do javali e do
urso; era branco, corajoso, inocente, cruel, leal ao seu capitão e à sua tribo,
não ao universo. [...] (BORGES, 1999, p. 40)
Se notarmos nesta fala, iremos ver Droctulft
como um homem ligado a sua terra, sua gente, sua cultura. Tem suas convicções e
certeza delas. Está exposto com clareza que é um homem que vive alem de sua
cultura, vive para sua terra. Mas acontece aquilo que se pode acontecer a
qualquer um quando se defronta com outra cultura, um choque de costumes entre
dois universos diferentes, que pode levar ao confronto, ou ao encantamento.
[...] As
guerras o trazem a Ravena e aí vê algo que já mais viu, ou que não viu com
plenitude. Vê o dia, os ciprestes e o mármore. Vê um conjunto que é múltiplo
sem desordem, vê uma cidade, um organismo feito de estatuas, de templo, de
jardins, de habitações, de grades, de jarrões, de capitéis, de espaços
regulares e abertos. Nenhuma destas obras (eu sei) o impressiona por ser bela;
tocam-no como agora nos tocaria uma maquinaria complexa, cujo fim ignorássemos,
mas cujo desenho fosse adivinhada uma inteligência imortal. (BORGES, 1999, p.
40)
Droctulft está encantado,
enfeitiçado a contra luz. Deste confronto o que ficou foi um guerreiro
conquistado, enfeitiçado pelas coisas fantásticas da outra cultura. Temos o
encontro do nativo com o invasor que vem armado com algo de novo e perigoso.
3
O CONFRONTO EM AS CULTURAS
Sabe-se que o confronto entre duas
cultura pode ser muito perigoso porque gera uma serie de fatores ruins para os
dois lados em luta, principalmente mortes e guerras. Uma destas batalhas foi
com a língua. “O emprego da língua geral[4]
foi progressivamente diminuindo nas comunidades urbanas do litoral, para ir-se
concentrando nos ambientes rurais do interior.” (NETO, 1976, p. 600)
Mesmo a língua indígena sendo mais
frequentemente falada não conseguiu impor-se a língua estrangeira, e porque
isso? Se o nativo está encantado com aquele povo que aqui apareceu, é bem
verdade que tudo naquela gente era lindo, inclusive a língua que serviu como status social. Assim diz-nos Serafim da
Silva Neto (1976):
Os
portugueses falavam, é certo, a língua geral, a fim de entrar em contato com os
índios: mas certamente o faziam considerando a sua própria língua como superior.
Para eles o tupi ou tupi-guarani não passava de uma rústica língua de bugres.
(NETO, 1976, p. 600)
Assim podemos dizer que o nativo
venerava os costumes do outro, como falamos antes, e a cultura do estrangeiro
começava seu processo de dominação.
Nenhuma
destas obras (eu sei) o impressiona por ser bela; tocam-no como agora nos
tocaria uma maquinaria complexa, cujo fim ignorássemos, mas em cujo desenho
fosse adivinhada uma inteligência imortal. (BORGES, 1999, p. 40)
Pelo contrario, os colonizadores
achavam que sua cultura era superior a dos índios e se apresentavam como deuses
para aquela gente deslumbrada com aqueles costumes. Para entender isso trazemos
o filósofo Nietzsche (2007) e sua reflexão sobre essa imposição cultural.
Nos tempos
primitivos, tudo dependia, portanto, dos costumes, e aquele que quisesse se
elevar acima dos costumes devia tornar-se legislador, curandeiro e algo como um
semi-deus: isto é, devia criar costumes. (NIETZSCHE, 2007, p. 23).
O colonizador não queria criar
costumes, mas com certeza queria elevar-se sobre os costumes do outro, e
conseguiu de certa formar, é tanto que destruiu a maioria das tribos e a
cultura dos poucos costumes indígenas que sobraram.
Como vemos nesta citação do filósofo
alemão, o colonizador se elevava a cima dos costumes dos nativos, e queria
criar novos costumes ou impo-lhes os seus. E
como os colonizadores viram os índios? Segundo Nicolas Durand em carta a um dos
formadores da Reforma Protestante, João Calvino (LÉRY, 2007):
O país era
totalmente deserto e inculto. Não havia nem casa nem teto nem quaisquer
acomodações de campanha. Ao contrario, havia gente arisca e selvagem, sem
nenhuma cortesia nem humanidade, muito diferente de nós em seus costumes e
instrução; sem religião, nem conhecimento algum de honestidade ou de virtude,
do justo, e do injusto, a ponto de vir à mente a ideia de termos caído entre
animais com figura de homens. ( VILLEGAGNON; apud LÉRY, 2007)
Vemos aqui uma discrição totalmente
preconceituosa do índio gentílico feita pelo desbravador, mas é justamente isso
que o colonizador pensava do índio em nosso território, ou seja, a cultura
europeia considerava a cultura americana muito inferior a sua, nisso começou um
confronto que resultou em mortes e dominação.
Assim temos a cativa de Jorge Luis
Borges (1999) como uma dominada dentro do seu próprio território que era as
Américas:
[...] Fazia
quinze anos que não falava o idioma natal e não era fácil recuperá-lo. Disse
que era de Yorkshire, que seus país emigraram para Buenos Aires, que os perdera
num ataque, que os índios a levaram e que agora era mulher de um capitãozinho a
quem já tinha dado dois filhos e que era muito valente. Foi dizendo isso num
inglês rústico, misturado com araucano ou com pampa, e por trás do relato se
vislumbrava uma vida cruel [...]. (BORGES, 1999, p. 42)
O texto de Borges (1999) é enfático
em sua significação sobre a dominação de uma cultura para com a outra. “Foi
dizendo isso num inglês rústico, misturado com araucano ou com pampa, e por
trás do relato se vislumbrava uma vida cruel”. (BORGES, 1999, p. 42) A que
ponto está dominação teve de chegar, escravizando mulheres, matando homens e
crianças de formar desleal e covarde, é isso que a cativa de Borges (1999) nós
informa.
Mil e trezentos
anos e o mar punha-se entre o destino da cativa e o destino de Droctulft. Os
dois, agora, são igualmente irrecuperáveis. A figura do bárbaro que abraça a
causa de Ravena, a figura da mulher europeia que se decide pelo deserto podem
parecer antagônicas. No entanto, um ímpeto secreto arrebatou os dois, um ímpeto
mais fundo que a razão, e os dois acataram este ímpeto que não souberam
explicar. [...] (BORGES, 1999, p. 42)
E assim o mestre Borges (1999) encerra
seu conto explicado-nos esta imposição a que a cultura foi estabelecida, tanto
em Droctulft como na Cativa. Na cativa de forma cruel e perturbadora.
Assim para o índio a luta da cultura
terminou em sangue e crueldade para com seu povo, mas para o europeu coube
comemorar sua vitória, mas como diria o mestre Machado de Assis (1994) em seu
celebre livro Quincas Borba, de fora
irônica: “Ao vencedor, as batatas.” (ASSIS, 1994, p. 236)
CONCLUSÃO
De fato não podemos dizer que uma
cultura venceu a outra e que está terá uma vida eterna, já que a cada dia a
humanidade evolui e novas coisas são reveladas. Assim o que era antes pode
voltar a vir a ser novamente, a História nos prova isso a cada dia.
O confronto entre a cultura indígena
e a cultura ocidental está acontecendo ainda, e nesta guerra o índio vem
perdendo terreno, mas enquanto existir a cultura sendo exercida em qualquer
parte, ela ainda está lá e não foi vencida, porque o bom guerreiro nunca pode
fogir a guerra.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado. Quincas
Borba. – 2ª. Ed – São Paulo: FTD, 1994.
BORGES, Jorge Luis. Obras
completas de Jorge Luis Borges. São Paulo: Globo, 1999.
LÉRY, Jean. Viagem
à terra do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 2007.
NETO, Serafim da Silva. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. 3ª Ed. – Rio
de Janeiro: Presença; Brasilia, INI, 1976.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. São Paulo: Escala, 2007.
RIBEIRO, Darcy. O
povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. São Paulo, Companhia das
Letras, 1995.
[1] Graduando do Curso de Letras na
Universidade do Estado da Bahia- DCHT- Campus XXII, 8º Semestre.
[2] Graduando do Curso de Letras na
Universidade do Estado da Bahia- DCHT- Campus XXII, 8º Semestre.
[3] Graduando do Curso de Letras na
Universidade do Estado da Bahia- DCHT- Campus XXII, 8º Semestre.
[4] A língua geral a que o autor aborda é
o tupi-guarani.