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terça-feira, 16 de junho de 2015

Entrevista com o representante da Quadrilha Caipiras Aloprados, Sandro Macedo.



Forró Quentão é um concurso de quadrilhas juninas existente em Euclides da Cunha, desde 2009 promovido pela Prefeitura Municipal. As apresentações são os momentos mais ansiosos aguardados pelas Quadrilhas, que, então, ganham visibilidade e o reconhecimento da comunidade, da família, do município e dos próprios quadrilheiros. Mas por trás destes bastidores há toda uma luta que passa despercebida de nossa percepção enquanto espectador. Como por exemplo, as reuniões para escolha de tema, trilha, coreografias, estruturas, figurinos, adereços, os machucados dos tombos, as desavenças, sacrifícios e abnegações para que o trabalho árduo seja enfim apresentado com prazer contagiando o público.”

Carlos Carneiro



Revista Antônio Conselheiro: Quando surgiu a Caipiras Aloprados e quem são seus fundadores?

Sandro Macedo: 1998. Fundado por Clodoaldo Rehem e Keliston Lopes.

Revista Antônio Conselheiro: Quantos integrantes são os Caipiras Aloprados, quantos casais, quantos na produção, todos moram no Aribicé?

Sandro Macedo: A quadrilha Caipiras Aloprados, esse ano foi formada por 30 integrantes, 10 casais, um marcador e uma participação do pai da noiva. 8 na produção. 2 integrantes não moram em Aribicé, um mora no povoado De Muriti e outra no povoado Suares.

Revista Antônio Conselheiro: Destes anos de existência qual foi o melhor e pior ano que os Caipiras Aloprados têm em sua historia?

Sandro Macedo: Melhor ano 2010 e o pior 2011.

Revista Antônio Conselheiro: Quais foram as maiores dificuldades para montar e colocar em cena “O despontar de uma chama que ecoa no sertão”, tema deste ano de 2015, por vocês Caipiras Aloprados?

Sandro Macedo: Para montar, a gente como organizador, devemos ter bastante paciência e compromisso, além disso temos que sentir confiança dos dançarinos, já colocar em cena, só o que atrapalha é a ansiedade, mas no fim tudo dá certo.

Revista Antônio Conselheiro: Como acontece o processo criativo e a escolha do tema, comungando assim com a trilha e as coreografias que embelezam o espetáculo da Quadrilha junina?
Sandro Macedo: O 1º passo foi estudos com bastantes pesquisas ate chegarmos neste tema 2015. O 2º passo foi ir em busca de melodias que embelezam o nosso tema sem perder o foco, e 3º foi de acordo com as músicas que criamos os passos, finalizando esse projeto 2015.

Revista Antônio Conselheiro: Os Caipiras Aloprados têm apresentado além do Forró Quentão?

Sandro Macedo: Sim

Revista Antônio Conselheiro: Os Caipiras Aloprados já enfrentou algum problema com os ônibus, com o som, com a organização dos arraiais por onde esteve, com a estrutura onde são recepcionados?

Sandro Macedo: Enfrentamos com os ônibus, que as vezes os motoristas, não querem seguir as regras passadas por nós e pelo Forró Quentão. Já em questão de som, organização de arraiais e recepção, a gente nunca passamos por nenhum problema.

Revista Antônio Conselheiro: Forró Quentão é um concurso de quadrilhas juninas existente em Euclides da Cunha, desde 2009 promovido pela Prefeitura Municipal, houve algum ano em que os Aloprados não participaram?

Sandro Macedo: Houve, em 2012.

Revista Antônio Conselheiro: As apresentações são os momentos mais ansiosos aguardados pelas Quadrilhas, que, então, ganham visibilidade e o reconhecimento da comunidade, da família, do município e dos próprios quadrilheiros. Mas por trás destes bastidores há toda uma luta que passa despercebida de nossa percepção enquanto espectador. Como por exemplo, as reuniões para escolha de tema, trilha, coreografias, estruturas, figurinos, adereços, os machucados dos tombos, as desavenças, sacrifícios e abnegações para que o trabalho árduo seja enfim apresentado com prazer contagiando o público. O que mais você colocaria que antecede a montagem do espetáculo da Quadrilha?

Sandro Macedo: As vez até mesmo a falta de interesse dos componentes da própria quadrilha, não pela falta de vontade de dançar e sim pelo reconhecimento do concurso, juris e tais...

Revista Antônio Conselheiro: Sabemos que o apoio da Prefeitura não é o suficiente, como vocês se organizam para buscar recursos e bancar o resto das despesas?

Sandro Macedo: Vamos em busca de patrocínios dos próprios políticos, comerciantes ou até mesmo amigos, fazemos também bingos, balaios e entre outros tipos de sorteios para gerar benefícios para nossa quadrilha. Cada participante dá também uma quantia determinada pela organização, assim conseguimos bancar as nossas despesas.

Revista Antônio Conselheiro: Os quadrilheiros usam as redes sociais assim como algumas pessoas que acompanham o Forró Quentão para comentarem, parabenizarem e criticarem e muitas vezes até se agridem. Como você e os demais se portam diante das opiniões e o bombardeio de críticas e elogios?


Sandro Macedo: Do meu ponto de vista, opiniões vem às vezes para ajudar. Existem vários tipos de criticas sim, sempre ouvi. As construtivas são bem vindas e as que só vem para atrapalhar são ignoradas. O São João é um momento de festejo e alegrias, porém devem ser aproveitados sem brigas e intrigas.

Revista Antônio Conselheiro: Conte-nos um pouco do puxador (animador), dos noivos, do casal de rei e rainha dos Aloprados.

Sandro Macedo: Eu como puxador, esse ano vir um pouco assustado, por ser minha primeira vez como puxador, mas tenho a cada dia se apaixonado pelo meu papel. Nosso casal de noivos nasceu pela simpatia e compromisso pela quadrilha, abrilhantando ainda mais o nosso São João. Nosso casal de rei e rainha, sendo eles o sol e a lua, uma comparação do amor dos noivos que, pelo motivo do pai do noivo ser apenas um vaqueiro, não quer deixar eles ficarem juntos para viver um grande amor.

Revista Antônio Conselheiro: Se os Aloprados tivesse alguma sugestão para melhoraria do Forró Quentão seria em qual sentido?

Sandro Macedo: Sendo concurso, a minha sugestão seria juris de outros lugares que não tivesse nenhum contato com nenhuma quadrilha, já sendo festival, só sugeria uma melhor alimentação para os quadrilheiros e mais reconhecimento.

Revista Antônio Conselheiro: O público entre eles, comunidade, familiares representantes de outras Quadrilhas, amigos e apreciadores formam a torcida organizada que cantam, gritam, aplaudem, enfim, divide com a Quadrilha a mesma emoção, certamente isso dá mais energia. Como vocês lhe dão com isso?

Sandro Macedo: Momentos únicos, é uma satisfação grande ouvir o público cantar e aplaudir o nosso projeto, é o que faz um quadrilheiro sorrir e alegrar o arraia.


 

Entrevista concedida a Carlos Carneiro, letrado pela UNEB, teatrólogo poeta e diretor de teatro 


quarta-feira, 29 de abril de 2015

ARTIGO: A CATARSE COMO MEIO DE SUPERAÇÃO PARA CONFLITOS FAMILIARES ATRAVÉS DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL


Andrezza Miranda de Andrade1
Camila Bastos Silva2
Cleide Carvalho Matos3
Daniela Moura Conceição4
Josilma Santos de Jesus5
Nilton Carlos Carmo Sousa6
Raíne Simões Macedo7
RESUMO
Este artigo propõe abordar o papel que a Literatura Infanto-Juvenil exerce no psicológico da criança, bem como explanar seu surgimento e como esta pode servir de auto-ajuda para a resolução de problemas por meio da catarse. Para isso será explicitado inicialmente, a trajetória da literatura infanto-juvenil, assim como o conceito de catarse no que diz respeito aos conflitos familiares. Serão utilizadas como recursos bibliográficos as obras “A Psicanálise dos Contos de Fadas” de Bruno Belheteim (1980), “A Literatura Infanto-Juvenil Brasileira Vai Muito Bem, Obrigada!” de Glória Pimentel Correia (2006), e “Catarse e Final Feliz” de Myriam Ávila (2001), bem como alguns artigos.


PALAVRAS CHAVE

Literatura infanto-juvenil; catarse; conflitos familiares


INTRODUÇÃO

A literatura infanto-juvenil tem papel fundamental na formação da identidade social da criança leitora, uma vez que não tem apenas o intuito de diverti-la, mas também o de informá-la e de desenvolver sua personalidade nos diversos estágios psicológicos, transmitindo as experiências da vida de modo significativo. Neste sentido, esta função é cumprida através do que se denomina catarse, que pode ser entendida como um meio de evasão. Segundo Aristóteles, “a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama” 8, sendo assim, seria um modo de desabafar através da arte literária uma dor por meio da relação leitor/texto. No entanto, a literatura infanto-juvenil não se restringe apenas à catarse, como purgação de sentimentos maléficos, mas ela também consiste como um “fenômeno norteador de nossa intervenção na sociedade, com o intuito de buscar soluções para os desequilíbrios sociais e modos de aprimoramento de nossas relações humanas.” 9 Desse modo, a literatura propicia na criança uma leitura ampla de mundo, à medida que aguça a sua sensibilidade e inteligência.
Partindo disso, pretende-se aqui especificar um conflito que pode ser superado por meio de funções catárticas na literatura, a saber, os conflitos familiares originados do rompimento do vínculo dos pais, enfatizando as mudanças que ocorrem na rotina da criança que vive a guarda compartilhada.

1 O PERCURSO DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

O surgimento da literatura infanto-juvenil está atrelado a quatro fatores que, apesar de ter fomentado sua expansão, foram empecilhos para a sua valorização enquanto gênero: o advento da burguesia, o reconhecimento da infância como uma fase importante e a necessidade de orientá-las na sua formação, e a criação das escolas.
É exatamente no momento em que a classe burguesa está em vigor que é arquitetada essa literatura atribuída infanto-juvenil. Há muito tempo a literatura endereçada as crianças e jovens, ficou sujeita à marginalidade e à depreciação, devido a seu vínculo à instituição escolar desde a sua origem. Por conseguinte, isso colaborou para seu feitio moralista autoritário e pedagógico. Outro fator relevante é que a princípio os contos de fadas criados eram para o público adulto, mas que triunfou entre o publico infantil.
Todos estes fatos supracitados foram pertinentes para essa literatura ter ganhado um caráter utilitário, por isso ter sido desvalorizada. Além disso, o autor era considerado como o dono da verdade, ou seja, seus escritos eram via de mão única, a qual não tinha espaço para o outro (leitor), por isso pode-se dizer que o destinatário é um receptor passivo, que não participava ativamente do texto. Consequentemente, isso restringiu a importância do fator estético. Dessa forma, a literatura não priorizou nas suas origens, uma criação cuja intenção primeira é o prazer, mas sim como reflexo da tradição popular, neste sentido é marcada pela oralidade.
Fontes como fábulas, mitos, lendas, contos de fadas foram transmitidos oralmente, estes fazem parte do quadro de tradição oral, cuja foi basilar para a literatura infanto-juvenil. Nessas fontes se encontram a imaginação e o maravilhoso, assim, a literatura mescla todos esses universos, ganhando um perfil mais condizente ao leitor mirim. Deste modo a literatura
[...] promove recreação, também cultiva valores necessários à vida em sociedade e favorece o raciocínio e inteligência da criança e do jovem. Ela pode significar também evasão, se os elementos da fantasia e da imaginação estiverem presentes”. (SOUZA, 2006, p. 53-54)

Assim no século XIX a literatura infanto-juvenil ganha destaque, pois se desvencilha do caráter utilitarista e passa a privilegiar as crianças. Pode-se dizer que há uma nova ótica, pois os adultos passam a entender a necessidade de estimular as crianças pelo gosto da leitura. Nesse momento, passa-se a dar importância à fantasia, o sonho e a emoção, acima daquele caráter autoritário e pedagógico que residia na literatura.
Pode-se ver que a literatura alcança novo cenário, de revitalização, pois a partir do momento que o elemento estético se faz presente, esta literatura começa a fazer sucesso. Essa literatura era tida como uma escrita funcional, isto é, algo monólogo, sem interação do leitor, por isso a sua depreciação. Mas quando esta literatura abandona esse caráter autoritário ela ganha uma roupagem que se adéqua ao público infantil, deixando de lado seu cunho utilitário e dando lugar a emoção.

2 A CATARSE E OS CONFLITOS FAMILIARES

Catarse é uma palavra derivada do grego kátharsis", que significa purificação, evacuação ou evasão. Além de ser usada na medicina e na psicanálise, também é utilizada nas artes, inicialmente na tragédia, a qual é postulada por Aristóteles como a desencadeadora de catarse, pois compreende um conflito entre personagens. Geralmente são histórias que têm finais tristes, onde o herói trágico, por atitude exagerada, passa da "Felicidade" para o "Infortúnio", alcançando assim a catarse. Mas esta também pode ser encontrada nas tragédias modernas como, nas obras de William Shakespeare, famosas por serem forte influência ocidental.
Neste sentido, a catarse, na literatura infanto-juvenil, compreenderá um meio da criança superar o sofrimento que sente diante de um conflito, nesse caso, familiar, através da história de uma personagem que passe por conflitos semelhantes.
Sabe-se que a literatura infanto-juvenil atrela a estética e o lúdico, sendo estes elementos importantes para a propiciação da criação artística, a qual amalgama o prazer, o sonho, a fantasia para o universo da criança. Mas atrela-se ainda à literatura, a relação entre catarse e o estético, chamando-se assim, de catarse estética, cuja, marcará o encontro do leitor com o que ele tem de emoções mais autênticas, do que ele é do ponto de vista afetivo, remetendo-o para o gênero humano de forma direta e imediata.
A partir do momento em que a criança tem essa experiência afetiva tão forte, ela se transforma profundamente, se transportando de sua vida cotidiana para o mundo das emoções, como sendo somente ela e o livro.
Ao retornar ao seu mundo cotidiano, a sua posição frente a este mundo já não será a mesma, pois não é possivel o esquecimento do nível, da qualidade e intensidade das emoções pelo qual a criança teve a experiência. Principalmente, quando a criança passa por conflitos familiares, pois o seu desenvolvimento intelectual e cultural (no que consiste no agir, no pensar, no sentir), dependerão da sua relação com os pais. Então, posteriormente, com vínculos quebrados, há uma desestabilidade emocional, que apelará para a opção de muitos pais se adequarem a guarda compartilhada. Portanto, a família é bastante fundamental para o desenvolvimento cognitivo da criança, visto que a identidade e personalidade da criança é organizada a partir da estrutura familiar, fornecendo cuidados básicos para que ela tenha uma boa relação consigo mesmo e com o mundo.
A respeito da guarda compartilhada, esta é a melhor solução para a resolução dos problemas advindos de uma separação, sendo um meio de perpetuar o convívio da criança com os pais de forma igualitária. Nesse caso, pode-se afirmar que “Compartilhar a guarda é compartilhar também as decisões sobre a vida da criança: onde ela vai estudar, que esporte vai fazer, como vai ser gasto o dinheiro”.10
Mas diante de tal situação, a criança ainda tem dificuldades de adaptar-se a este tipo de cotidiano, pois tudo agora passa a ser diferente, ela passa a ter dois lares, geralmente, com regras diferentes em cada lar, as programações para finais de semana mudarão, terão que estabelecer um novo contexto de família, além de ter a possibilidade de se adaptar a uma nova família quando seus pais casam novamente.
Diante disso, a catarse, por meio da leitura, é um excelente instrumento para que a criança se posicione de maneira menos traumática perante esta situação conflituosa de ruptura de vínculos. Segundo Bruno Bettelheim (1980), os contos de fadas proporcionam à criança subsídios para suportar seus conflitos interiores, liberando emoções reprimidas, indicando alternativas, a fim de fomentar a catarse influindo o otimismo.
Para isso, vale ressaltar, que a catarse somente, não basta, é preciso também o estético, ou seja, a criança necessita “[...] ver o conflito projetado de forma simbólica e idealmente resolvido em um final feliz, evitando que ela permaneça aprisionada em seu reduto angustiante.” (ÁVILA, 2001, p. 128)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme os pressupostos, fica perceptível que a literatura infanto-juvenil alcançou mudanças significativas, pois passou a se preocupar com o público infantil, além de considerar o fator estético na escrita como um elemento importante. Vale ressaltar que este inicialmente era ausente, o que contribuiu para a sua desvalorização.
A estética contribuiu para que essa Literatura alcançasse reconhecimento, e fosse assim, apreciada. Ver-se ainda que a catarse está acoplada com a estética, promovendo aos leitores mirins uma maneira de desencadear suas emoções reprimidas por conflitos familiares, sendo desta forma, uma ferramenta de alívio, no que abrange a superação desses conflitos. Visto que para emergir essa catarse fazem-se mister experimentar momentos de traumas e de percas.
É através da catarse que a criança tem um encontro íntimo consigo mesmo, com suas próprias emoções, conflitos, traumas, isto é, é propiciada através da catarse estética uma relação interpessoal profunda, que resultará numa nova maneira de olhar seu próprio mundo, levando-a a enfrentar de maneira mais suave a sua realidade. Já que o conflito familiar, especificamente, a separação de pais, é duradouro em alguns casos, a literatura infanto-juvenil, neste caso, cumpre o papel de intervir como norteadora da readaptação que a criança precisa ter.
Diante das mudanças de rotina, a criança terá uma capacidade, através da leitura, de olhar a situação não de forma rigorosa, mas divertida. De poder transformar estas “desorganizações” de seu cotidiano em agradável, alegre, engraçado. Assim, é notória a indispensabilidade da catarse estética na literatura infanto-juvenil, e sua forte influência benéfica para superação de conflitos familiares.

REFRÊNCIAS

ÁVILA, Myriam. Catarse e final feliz. In: ___Aletria: Revista de Estudos de Literatura. 2001, p. 128.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 1980.

SOUZA, Glória Pimentel Correia Botelho. A Literatura Infanto-Juvenil brasileira vai muito bem, obrigada! Ed 1. São Paulo: DCL, 2006. p. 53-54.


1 Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
2Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
3Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
4Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
5Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
6Acadêmico do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
7Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
8http://pt.wikipedia.org/wiki/Catarse. Acesso em: 27 de maio de 2013 às 14h21min.
10http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0402201006.htm. Acesso em 30 de maio de 2013 às 15:03.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

SETE ASSASSINATOS


Amigos de minha terra
Quero agora lhes contá
Um fato que se encerra
Em minha cidade natá
Não foi sorte nem guerra
Mas vidas pré-natás.

As secas que aqui andaram
Deixaram nas mães o pavô
E os seus filhos largaram
A sorte que a vida deixou
As luzes da vida falaram:
Se é morte infantil é dor.

Era um mês frio de junho
Chovia como que faz sol
As minhocas faziam túnel
As borboletas faziam pó
Mas parecia não ser junho
Era seca verde sem sol.

Numa casa velha na roça
Dona Maria cozinhava
Suas filha lindas rosas
Mas pálidas como fantasmas
Eram cinco lindas toscas
Com sete anos cada.

Uma se chamava Joaquina
As outras iguais a mãe Maria
Maria Conceição, Maria Carminha
Maria Teresa, Maria Luzia
A penúltima era Crismina
A ultima igual a mãe Maria.

O pai sem muita educação
Era um homem de labuta
Seu nome era João
E nessa grande luta
De terra céu e pão
Vivia uma vida de surra.

Uma grande sorte bruta
Era sua vida ingrata
E a natureza com sua fúria
Trousse um tempo que secava
Nas mãos das meninas a cuia...
“Vamos ao açude encher a cabaça.”

Pra piorar a situação
E a luz que já não via
Num domingo de São João
Morri a caçula e linda Maria
Só por causa do patrão
E da comida que não via.

Passado todo o longo drama
Dona Maria e uma vigília
Foram ao cemitério leva rama
Ao tumulo do anjo Maria.
Agora na cidade era fama
Sete crianças mortas por dia.

Era agora fama na cidade
Quem beija em pé de anjo
Fica com muita coragem
Tudo isso embaixo do pano
Pra esconder a verdade
Das milhares de mortes ao ano.

E numa quente segunda-feira
Que nem si via ventania
É encontrado na esteira
O corpo da pobre Crismina.
Oh que vida mais sorrateira
Para a doce mãe Maria.

No natá nossas crianças
Esperam um presente do céu
E dona Maria tem esperança
De nunca mais pô o véu
E como se fosse uma vingança
Lhe rasgam mais um papel.

Na manhã de terça-feira
Luzia não quer comer
Seu João lhe trousse uma pêra
Isso só lhe faz sofrer
Nesta manhã de terça-feira
Luzia decide morrer.

Tão triste e o destino
Daquele flor tão inocente
Por sete dias tocam o sino
Por sete anos um lamento
Pelos fios que são tão finos
De João e Maria o sofrimento.

Em poucas semanas Teresa
Brincando em tanto quintal
Embutida dentro da sexta
Brincando de lobo-mau
Um barbeiro lhe corta a veia
Acabou seu lindo madrigal.

Talvez seus pais chorassem
A perda de sua linda filha
Mas mesmo que a amassem
Sabia de toda a sua sina
E de dentro veio a coragem
Pra tocá a louca vida.

A vida louca foi tocada
Mas o destino ali parou
Carminha flor foi levada
Para bem junto do senhor
A quinta-feira foi sangrada.
Seus pais se rasgam de dor.

“Oh que vida tão doida
Que o mundo me guardou
Resolveu levar minhas filhas
E isso só nos fez a dor
Se ontem eu sorria
Hoje eu sou só pavô.”

“Ô Maria sei que choras
E é muito justo tu chora
Mas lembre-se da aurora
Levante o teu sonhar
Hoje aqui você chora
Amanhã sei tu se alegrará.”

Sei bem que seria bom
Tudo aqui se encerrá
Mas neste triste tom
O sino fez-se ressoá
Era a Conceição que com
A morte hoje partirá.

Nesta noite de sexta-feira
Conceição ali sofreu
Sua vida fico a beira
Do caminho que tremeu
E as lembrança da ribeira
Todas elas as esqueceu.

É a morte de Conceição
Anunciava a preta velha
Com muita dor no coração
Seu pai acendeu a vela
Na luz frente um lampião
Sua mãe se descabela.

“O destino quis assim
De levá a Conceição
Para bem perto de si
Acalmai vossa aflição
Pois é feito para um fim
Esse nosso galardão.”

“Senhor vigário eu lhe digo
Nos resta ainda Joaquina
Que Deus lhe tenha consigo
E lhe ponha a mão divina
O senhor é meu amigo
Reze a luz que lhe ilumina.”

A mais de trezentos anos
Aqui se ergueu uma cruz
E por assim contar os planos
Aqui andou o Bom-Jesus
Acalmou nossos desenganos
Mas cortaram a sua luz.

Dizem o monte é santo
E essa cruz que ilumina
Mas a vida de desenganos
Foi para a pobre mãe Maria
Que como outros planos
Eram sete mortes por dia.

E o final de Joaquina
Foi como de suas irmãs
No sábado de tardezinha
Lembrará sua manhã
‘É a morte de Joaquina!
Acabou o gosto da maçã.

Um João mais uma Maria
Neste sertão de surdos
Sabiam como sofriam
As crianças como mudos.
Sete crianças morriam
Nas regiões de Canudos



Paulo Monteiro - Graduado em Letras - UNEB.

sexta-feira, 27 de março de 2015

ENTREVISTA A NETO CAMORIM

O historiador Neto Camorim é um Professor e pesquisador que luta pela  memória e preservação dos ideais do seu conterrâneo Antônio Conselheiro, juntamente com o Iphanaq, a Fundação Canudos, e outros companheiros seus de Quixeramobim. Em entrevista a Revista Literária Antônio Conselheiro, o historiador nos mostra um pouco de sua vida e de seus projetos na preservação da memória e dos ideais de Antônio Vicente Mendes Maciel  


Revista Literária Antônio Conselheiro[1]: Professor, quem é Neto Camorim?

Neto Camorim: Meu nome é Francisco Chagas da Silva Neto, conhecido por Neto Camorim. Trago esse apelido familiar do meu avô paterno que se chamava Manuel Camorim, então todos seus filhos ficaram conhecidos por esse nome. Depois isso chega aos netos, já que sou filho de seus filhos que se chama Chico Camorim. Daí desde adolescente trago esse nome que muito me orgulha. Por sinal, poucas pessoas me conhecem pelo seu nome oficial. Sou é filho de agricultor, nascido na comunidade de Aroeiras, antes Quixadá e hoje pertence ao município de Banabuiu, que faz limites ao leste com Quixeramobim, município que meus pais vieram morar desde 1980, na comunidade de Coque, que fica há 36 km da sede as margens do rio banabuiu. Até concluir o ensino médio, morava com meus avós maternos em Juatama, distrito de Quixadá, onde estudava.
Como acontece com a maioria dos jovens ainda hoje, não consegui emprego e fui morar com meus pais no Coque e por lá exerci atividades na agricultura até os 25 anos de idade. Como sempre gostei de estudar, resolvi fazer vestibular para o curso de história em 1994 na FECLESC- UECE- Quixadá, campus na Universidade Estadual do Ceará aqui em nossa região, e fui aprovado na primeira tentativa. Então fui durante esse tempo estudando e desempenhando minhas atividades de articulador das CEBs, comunidades de base ligadas a Paróquia de Santo Antônio de Quixeramobim. A partir daí fui adquirindo uma maior consciência da realidade sertaneja e o porquê das dificuldades no qual enfrentamos. Em 1995 comecei a exercer a função de professor na rede particular, e no ano seguinte comecei a trabalhar também na escola pública, como professor temporário, e atualmente sou concursado na rede pública estadual do Ceará. Em 2004 após participar mais com expectador das comemorações do centenário da guerra de canudos em 1997 em Quixeramobim e de outras ações culturais em nosso município, que infelizmente em políticas culturais faz nada, resolvi junto com um grupo de professores, universitários, estudantes de ensino médio e profissionais diversos que gostam de história, cultura e memória, tão desvalorizada em Quixeramobim, decidimos criar a Ong. IPHANAQ (Instituto do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural de Quixeramobim). Hoje é nessa entidade que desenvolvemos em nosso município algumas ações culturais. Seja na temática conselheiro ou outros temas no campo da cultura.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Sabemos da sua árdua luta pela memória e preservação dos ideais do seu conterrâneo Antônio Conselheiro, junto com o Iphanaq, a Fundação Canudos e outros companheiros seus de Quixeramobim, o que não é tão distante de alguns aqui na Bahia, mas o que o senhor ver de diferente e semelhante nestas atividades e preservação (material/imaterial)?

Neto Camorim: Preservar a história e a memória coletiva das pessoas e líderes que dedicaram sua vida em prol das mais pobres em nosso país, sempre foi mal analisado. Até por que a história tradicionalmente falando, sempre esteve a serviço da visão dos poderosos. Portanto, os ideais de Conselheiro ainda incomodam aqueles de visão elitista que não querem a libertação do povo sertanejo, que ainda sofre pelo abandono político historicamente presente na vida dos mais pobres. Apesar da luta e organização popular ter conseguido alcançar algumas melhorias, muita coisa ainda precisa ser feita. Em Quixeramobim, a memória de Conselheiro ainda é algo muito distorcido e não valorizado. Apesar de ser a terra onde ele nasceu sempre digo, que foi ela também a expulsou diante dos diversos problemas e frustrações que aconteceram durante o período em que viveu na sua terra. Apesar dessa problemática, temos tentado enquanto Iphanaq desenvolver ações tentando contribuir para mudar essa visão preconceituosa em relação a conselheiro. Todo ano quanto acontece o evento “Conselheiro Vivo” em alusão a 13 de março data de seu nascimento, sempre trabalhamos temas que procurem trazer os ideais de conselheiro ao contexto atual, no intuito de inserir estudantes, professores e comunidade em geral e refletir sobre a importância histórica desse líder, que é estudado em todo mundo praticamente e é
tão desvalorizado na terra em que nasceu. Isso é um aspecto diferente que percebo em relação ao que vejo na maioria do povo de Canudos quanto visito a cidade ou estou presente nas romarias. Claro que existem críticas de alguns em Canudos em relação a Antonio Conselheiro. Isso é normal e acho necessário para fazermos uma análise com maior criticidade. Mas em Quixeramobim, o que existe é uma incompreensão e desvalorização da história para a grande maioria da população. Nos últimos dez anos isso tem mudado um pouco, muito em função de atividade como o conselheiro vivo, que realiza juntos com outro parceiro, atividades diversas como, debates, palestras, oficinas, feiras artesanais e da agricultura familiar, lançamento de livros, concurso de redação, exibição de filmes e documentários e exposições, etc. Mesmo assim percebo que o processo é lento e precisa de continuidade das ações durante todo o ano. O que infelizmente não acontece por parte do poder público que deveria de fato assumir com mais responsabilidade seus preceitos constitucionais. Portanto, observo que as nossas dificuldades não muitas, mas não vejo com tão diferente, das de Canudos em relação a organizar eventos com maior participação da sociedade. Não que seja preocupado com quantidade, mas que nós que militamos na causa de conselheiro, precisamos se integrar mais e pensarmos coletivamente nossas ações sem buscar individualizar as coisas como sua. Até porque conselheiro não é apenas de Quixeramobim e de Canudos, mas do mundo. Seus ideais de liberdade e dignidade humana não ficaram restrito apenas aos sertanejos da Bahia, mas se espalharam pelo mundo por aqueles que no passado ou no presente ainda lutam por justiça social.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Desde quando vem à Romaria de Canudos?

Neto Camorim: Frequento a Romaria de Canudos há pouco tempo. Esse ano fez 03 anos que venha a esse evento. Mas em Canudos vim à primeira vez em 2007 na época do espetáculo “Os Sertões” do teatro oficina Uzina Uzona de Zé Celso Martinez, que tinha no mesmo ano se apresentado em Quixeramobim. Foi daí que resolvi depois de 05 anos refletindo, porque essas duas cidades que tem tanto em comum não se aproximam e pensam ações conjuntas sobre conselheiro? Quero ressaltar, que foi Zé Celso quem já na época dos “Sertões” fazia essa indagação. Ai então, resolvi agir. Comecei em 2012 junto com alguns amigos venho todo ano a Canudos participar da Romaria e ao mesmo tempo incentivar a aproximação de Canudos a Quixeramobim. E isso aconteceu. Desde ano passado que o grupo de teatro coordenado pelo amigo Carlos Carneiro participa do “Conselheiro Vivo” no mês d e março em Quixeramobim, e nós retribuímos a visita em outubro na romaria. É uma iniciativa pequena, mas pra mim de muito significado. Pois essa vinculação aos poucos tem aumentado. Percebi esse ano que podemos inclusive articular ações conjuntas entre as duas cidades. Temos que planejar melhor nossas iniciativas em torno do projeto de vida digna defendido por conselheiro.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Tendo vindo estes últimos anos à Canudos, como o senhor avalia a participação, a organização e as discussões temáticas da Romaria de Canudos?

Neto Camorim: Tenho observado que a participação do povo tem diminuído e a organização da romaria têm apresentado algumas falhas, mas acho que podem ser superadas. Sei o quanto é difícil organizar um evento sem apoio financeiro na proporção necessária. Vão aqui algumas sugestões que inclusive falei com pessoas diretamente ligadas a organização da romaria, poderia articular melhor a participação dos municípios vizinhos de Canudos e que são diretamente envolvidos na trajetória de conselheiro para fundar o “Belo Monte”. Mas penso que essa articulação tem que ser da comissão da romaria, buscando envolver as paróquias e comunidades vizinhas para estarem presentes nesse momento que considero tão importante. Não é a toa que percorro todo ano 720 Km em carro fretado com alguns amigos para participar da romaria. Mas acho que ela precisa ser melhor planejada e que os responsáveis por suas atribuições cumpram o seu papel. Deve também envolver outros atores sociais e organizações na efetivação da mesma. Tem
falhas muito básicas que ainda acontece, que em minha opinião um evento com 27 anos de existência já deveria ter superado. Entenda não estou culpando os organizadores do evento e nem dizendo que eles não planejam, pois sei das dificuldades que enfrentam todo ano para realizarem a romaria. Apenas acho que outros parceiros deveriam ser envolvidos. Tipo maior participação das escolas nas atividades, mais apresentações culturais envolvendo outros municípios, mais dinamismo na realização da mesa redonda. Enfim, são sugestões que a meu ver poderia melhorar um evento que sempre me traz muita alegria e emoção e que quero continuar participando. E se permitirem colaborando. A Ong. Iphanaq está aberta ao diálogo para contribuir no que for possível. O que defendo é uma melhor integração de Canudos com Quixeramobim e vice versa, além das cidades dos percursos de conselheiro que poderiam estarem se encontrando todo ano na romaria para rememorar, celebrar e refletir a luz da nossa realidade os ideais de Antonio Conselheiro.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Tivemos anteriormente uma informação que viria a esta romaria cerca de trinta quixeramobienses e que pelo motivo de estarmos no período eleitoral, Foi impossibilitado, o senhor acha que falta a estes uma organização ou sensibilização com relação à memória de Antônio Conselheiro?

Neto Camorim: Sou daqueles que acredito na organização e planejamento das ações. Como já me referi anteriormente, Quixeramobim na sua grande maioria não existe uma valorização pela memória de seu filho mais ilustre. Isso só contribui para dificultar essa integração com Canudos. Se fosse esperar pelo apoio poder público municipal para visitar Canudos, acho que tinha ficado na primeira visita em 2007. Na verdade não existe sensibilidade política para o tema conselheiro, fica só na conversa. De preferência nos palanque nas campanhas eleitorais. Essas desculpas de que estamos em período eleitoral e não tinha como viabilizar o transporte do grupo de pessoas que queriam ir pra Canudos, isso é velho, não acredito. Todo ano prometem e não acontece. Mas na hora que estivermos mais organizados isso vai mudar pode ter certeza. Até porque não estamos pedindo favor. O município tem obrigação de investir em cultura. E bem que deveria ser em algo de qualidade, como oportunizar as pessoas interessadas conhecerem Canudos durante a romaria e participarem da programação. Agora os gestores municipais ficam buscando culpados para justificar o injustificável. E o pior tem gente que acredita.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Por dois anos consecutivos o nosso município ainda que com várias dificuldades e uma população cinco vezes menor, tem mandado à Quixeramobim uma comitiva para tentar estreitar essa distancia de Quixeramobim & Canudos. Será que falta aos gestores uma vontade de unificação destes municípios, o que podemos aprender com isso?

Neto Camorim: Quero parabenizar esse gesto grandioso de Canudos, que tem feito mais decentemente a sua parte nessa busca da integração com Quixeramobim para refletir e aprender juntos sobre Conselheiro. Lamentavelmente é triste perceber que Quixeramobim enquanto terra natal desse grande líder de nossa história tem feito quase nada em prol de sua memória. Com uma população cinco vezes maior que de Canudos, Quixeramobim não disponibiliza um ônibus para trazer os simpatizantes e interessados na história da guerra de canudos e de conselheiro a conhecerem o local onde tudo aconteceu. É muita falta de compromisso com a história de seu povo. Concordo que falta vontade política para aproximar de fato essas cidades irmãs. Mas não vamos desistir. Vamos cobrar e criticar e
ao mesmo tempo, não ficar apenas reclamando, mas fazendo o nosso trabalho de “formiguinha”, que apesar de ser invisível para muitos em nossa cidade, o que interessa é que ações estão acontecendo diante de nossas possibilidades. Pior é o poder público que não faz e ainda atrapalha. Devemos aprender que sem a nossa participação e cobrança nas ações as articulações entre essas cidades ficará mais difícil. Portanto vamos continuar lutando e realizando as nossas ações sem ou com o apoio do poder municipal, que só colabora diretamente no evento “Conselheiro Vivo”, ainda muito pouco pela importância que deveria ter Antônio Conselheiro na sua terra.

 Revista Literária Antônio Conselheiro: A 27ª Romaria deste ano (2014) teve como tema: “Liberdade e Dignidade para o povo do Sertão” o que o senhor nos diz a respeito desta proposta.

Neto Camorim: Esse tema, como bem destacou Pe. Alberto, vigário de Canudos durante entrevista na Rádio Atividade FM, ele aponta setas para a construção da dignidade do povo do sertão. Liberdade e dignidade essa que ainda falta à maioria de nossos irmãos sertanejos do nordeste brasileiro, que apesar de algumas melhorias continuam dependente das ações paliativas dos governos ao longo de nossa história, e que não tem interesse em de fato construir a dignidade que nosso povo tem direito. Quebrar as amarras da submissão ainda não interessa para a maioria de nossos ditos representantes políticos e de uma parte da sociedade brasileira do sul e sudeste e outros de próprios nordestinos que já vivem em situações mais favoráveis, ainda mantém muito preconceito contra os nordestinos. É só ver o que tem acontecido com frequência nas redes sociais. Um verdadeiro absurdo. Um desrespeito à pessoa humana, mais que ainda persiste mesmo depois de tanto tempo que foi abolida a escravidão, as práticas escravocratas e elitistas continuam vivas na cabeça e corações de muitos grupos dominantes de nossa sociedade. São atitudes totalmente contrárias ao que o Conselheiro pregava. Temos que lutar contra toda forma de opressão que ainda impera sobre os sertanejos no semiárido nordestino, para que de fato a liberdade e dignidade para o povo do sertão aconteça. Acho que foi muito oportuno à escolha desse tema romaria de 2014.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Temos conhecimento de uma pesquisa que o senhor vem desenvolvendo sobre os percursos do Conselheiro no sertão baiano antes de chegar a Canudos em 1893, o que o senhor tem pesquisado? Quais localidades já visitou? Que dificuldades e facilidades têm encontrado no meio deste caminho?

Neto Camorim: Na verdade é um projeto de pesquisa ainda nas questões preliminares. Tenho visitado desde ano passado com mais frequência Canudos e região para entrar em contato com meu possível objeto de estudo. Estive em julho deste ano durante uma semana na região de Canudos, e realizei algumas visitas em alguns lugares que fizeram parte dos percursos de Conselheiro antes de se fixar em canudos e fundar “Belo Monte”. Estive na companhia de Carlos Carneiro visitando Maceté, onde aconteceu o fogo do Viana em 1893, e de lá conselheiro foi pra Canudos. Fui a monte Santo, Quijingue e Euclides da Cunha (antigo Cumbe) e Uauá e Canudos, sempre conversando e observando algumas questões que poderão ser meu objeto de estudo. Sabemos que o desafio é grande, está se deslocando periodicamente para desenvolver esse trabalho, mas ao mesmo tempo tem sido desde o seu início muito gratificante está a cada período visitado vivenciando a solidariedade que impulsiona a vida do sertanejo. Isso é algo imensurável. Espero que possa dá sequência esse trabalho de conhecer os percursos de conselheiro antes de fundar a comunidade da busca pela igualdade, liberdade e dignidade que foi “Belo Monte” e que as forças da dita república brasileira destruiu.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Tomando como base uma de suas falas “O Conselheiro não desagregava, ele une até hoje”. Este é um dos seus objetivos dentro de sua pesquisa, perceber a latência dos ideais do Conselheiro?

Neto Camorim: Tenho observado que apesar das dificuldades sempre latentes ao trabalhar o tema conselheiro, ele sempre nos junta mais. Acho que deve ser seus ideais ainda impulsionando a luta daqueles que acreditam num mundo melhor. Parto do princípio que Conselheiro plantou muito bem onde ele passou essa possibilidade de construir uma vida digna e mais livre para o povo do sertão. Mesmo com a destruição do Belo Monte, esses ideais não morreram eles resurgem de outras formas na luta do povo, na sua maneira de viver e encarar a vida nos desafios diversos que enfrentamos. Isso tenho observado em todos os lugares visitados. Pessoas, como Dona Bebé em Canudos, que desde ano passado nos acolheu em sua casa durante a romaria e hoje nos trata como se fôssemos um familiar seu. Isso é apenas um exemplo entre tantos que poderia destacar nesse início de pesquisa. Espero que tenha competência de dá conta desse trabalho.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Percebemos que o senhor fica um tanto angustiado com algumas ações isoladas que alguns projetos realizam referente a Canudos. Que sugestão o professor dá, não somente as instituições que trabalham Canudos, ou a municípios que se organizam para visitar a cidade histórica, seja na Romaria ou em datas fora do calendário festivo?

Neto Camorim: Penso que deveria ter uma maior articulação entre os municípios da região de Canudos para a realização da romaria. Deveriam em minha opinião desenvolverem ações preparatórias em suas escolas para que a história de Canudos seja conhecida e valorizada pelas novas gerações. Percebi nas minhas visitas na região que muitas pessoas mesmo morando perto de Canudos nunca visitaram a cidade. Não conhecem a importância dessa história. E ninguém valoriza o que não conhece. Juntos com as instituições que já trabalham na organização da romaria, esses municípios poderiam planejar ações de visitas periódicas a Canudos e ao mesmo tempo despertando nas crianças e jovens o interesse pela história de Canudos, sua cultura e memória que deve ser preservada. Até porque os descendentes de Canudos estão presentes em toda região. De uma maneira direta ou indireta todos estão ligados de alguma maneira a história de Canudos. Isso só contribuiria para construir uma melhor identidade do povo valorizando o seu passado. Além disso, esses municípios deveriam se apropriar das pesquisas já desenvolvidas pelas universidades através de alguns pesquisadores e organizarem um calendário regional de atividades envolvendo a temática conselheiro que em minha opinião incrementaria bastante a cultura e o turismo sustentável em seus municípios. E no final culminaria com a participação de todos na Romaria de Canudos realizando um grande momento celebrativo. Acho que seja possível. Só precisa de boa vontade e prioridade política, que alguma coisa mesmo que ainda pequena mais planejada e com continuidade a coisa caminha.

Revista Literária Antônio Conselheiro: Professor Neto Camorim, nos fale um pouco sobre os projetos como o papo cultural, grupo de leitura e outros dos quais o senhor está inserido lá em sua cidade Quixeramobim.

Neto Camorim: A Ong. Iphanaq nesses 10 anos de fundação tem desenvolvido algumas ações culturais em Quixeramobim. Mesmo sem muito apoio institucional temos alguns projetos em funcionamento. Entre alguns quero destacar inicialmente dois que coordeno. O primeiro o projeto Cineclube Iphanaq que tem o apoio do SESC-Ler e do Sistema Maior de Comunicação, que uma vez por mês realiza exibição de cinema nacional gratuito nas comunidades rurais do município. Após a exibição do filme tem debate com a counidades a luz da realidade deles. Daí ser muito importante a escolha do filme a ser apresentado. Este projeto existe há cinco anos e já visitou todos os distritos pelos menos cinco vezes suas comunidades durante esse período. Também coordeno o Papo Cultural, que recebe na última sexta feira de cada mês um convidado para falar de sua experiência de vida, possa contribuir com seus saberes diversos para a valorização da história e memória local. Pode ser acadêmico que vem apresentar seus trabalhos como às vezes acontece, mas na sua maioria são pessoas simples que não tem sua história registrada e valorizada. Todo o papo cultural realizado, produzimos um vídeo para no futuro ter um centro de documentação envolvendo esse material. Esse projeto funciona há 03 anos. Outro projeto que acontece no Iphanaq é o grupo de leitura “sertões e memórias”. Coordenado pelo professor João Paulo, esse projeto realiza leitura de obras literárias que trabalham o tema sertão. Geralmente se encontram uma vez por mês, delimitam as páginas que irão ler e depois marcam um encontro pata discutir o que foi lido. Já foram feitas durante os dois anos de existência do projeto as leituras de “Os Sertões”- Euclides da Cunha; “O Sertanejo”- José de Alencar; “O Quinze”- Raquel de Queiroz; “Dona Guidinha do Poço”- Oliveira Paiva, entre outros. Quem participa é professores de áreas diversas amantes da leitura e alunos de ensino médio. São atividades culturais que apesar de pouca gente envolvida diretamente tem contribuído para mudar aos poucos essa visão equivocado que as pessoas não tem interesse em participar de ações culturais. Isso não é verdade. O que de fato acontece é que existe são poucas atividades voltadas para essas questões. Daí a não valorização desses momentos culturais.




[1] Entrevista concedida a Carlos Carneiro – Diretor de Teatro e Graduando de Letras Vernáculas- UNEB