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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

ENSAIO: O GÊNERO PARA OS GRAMÁTICOS E PARA OS LINGUISTAS


Para os gramáticos o gênero aplica-se somente a duas formas, masculino e feminino. Celso Cunha e Lindley Cintra em sua “ Nova Gramática do Português Contemporâneo”, diz que “ os substantivos que designam pessoas e animais costumam flexionar-se em gênero, isto é, têm geralmente uma forma para indicar os seres do sexo masculino e outra para indicar os do sexo feminino.” ( CUNHA, CINTRA, p.204, 2008). Celso Cunha e Cintra como a maioria dos gramáticos sistematizam o gênero a dois grupos, feminino e masculino, e nestes dois grupos, especifica-os como epicenos, sobrecomuns e comum de dois gêneros, fazendo uma confusão entre gênero e sexo. Assim, alguns substantivos como águia, algoz e agente, vão entrar nestas três classificações; águia como epicenos, algoz como sobrecomum e agente como comum de dois, admitindo-se que em alguns substantivos ocorre mudança de sentido quando esse é anteposto pelo artigo, um exemplo seria a palavra cabeça, geralmente feminina, mas se anteposta pelo artigo -o, se torna masculina; “O cabeça!” Nesta visão o termo “o cabeça” seria equivalente a chefe, o que nas gramáticas tradicionais equivale a sobrecomum. 

A gramática aborda a questão do gênero com muita superficialidade. Limitando-se a afirmar a existência de dois gêneros na língua portuguesa, posicionando e citando sem definir com exatidão os epicenos, sobrecomuns, comum de dois gêneros e, às vezes confundir gênero e sexo. No caso de Celso Cunha e Cintra, para classificar o substantivo quanto a sua terminação, o gramático diz que: “É sempre difícil conhecer pela terminação o gênero de um dado substantivo.” ( CUNHA, CINTRA. p204, 2008). A gramática de Cunha e Cintra vai dizer que são masculinos os nomes terminados em -o átono, e são femininos os nomes terminados em -a átono. Exemplos: o aluno; a aluna. Os dois gramáticos ressalta que excetuando-se porém algumas palavras como clima, cometa, e outras tantas a terminação leva-se por consideração as duas desinências, mas quando citam os exemplos, “homem - mulher, bode – cabra, abordam que alguns gêneros possuem o radical diferente. A gramática de Cunha e Cintra não leva em consideração o gêneros, mas a flexão e a derivação da palavra sem se preocupar em explicações mais complexas.

Os lingüistas vão refutar e dizer que as gramáticas acabam tornando a explicação sobre a classificação do gênero como superficial. Para abordar a classificação do gênero tomar-se-á as idéias de Normelio Zanotto, Maria Cecília P. de Souza e Silva e Ingedore Villaça Koch que ajudaram em esclarecimentos mais amplos e objetivos sobre o assunto.

Normelio Zanotto em seu livro “ Estrutura Mórfica da Língua Portuguesa” aborda que o gênero é uma classificação obrigatória para todos os substantivos, masculinos ou femininos, e que o gênero é mais que uma simples distinção de sexo. O lingüista ira também dizer que há várias outras formas assexuadas que não pertence ao reino animal. Aqui tem-se que levar em consideração que para os lingüistas o gênero tem como forma uma amplidão maior e mais diversa, no caso de Zanotto, que cita uma nova forma assexuada, certos substantivos não é nem feminino nem masculino, mas comum de dois só que com seu aspecto semântico inalterável. Assim, “se ponte, fonte, e parede passassem para o grupo dos masculinos, só haveria a estranheza inicial de quem já está acostumado a fazê-los acompanhar de determinantes femininos, mas nenhuma alteração de significado adviria. Continuaria com sua carga semântica inalterável.” (ZANOTTO, p.66. 2001). Zanotto fala que muitos substantivos da língua latina, passaram para o português e mudaram de gênero. Exemplo: Quercus ( carvalho ) era feminino, e no português tornou-se masculino. Em outro caso, diz Zanotto: “ Os substantivos neutros, ainda no latim, obrigatoriamente trocaram de gênero, passando a masculino ou a feminino.” (idem, p.66). Então é correto afirmar que muitos gêneros em português são vacilantes: o/a soja. Outros são indiferentemente masculinos ou femininos: o/a personagem. Mas em qualquer dos casos sua como significante permanece inalterável. Zanotto critica dizendo que “ pouco importa que as gramáticas façam listas de alerta, fato, aliás, que comprova a vacilação no uso, que é o verdadeiro fato lingüístico analisável. A lista da gramática é imposição normativa. A gramática determina: cal, cólera, dinamite como femininos; e sentencia que dó, telefonema, grama como masculino. O uso, indiferente às preocupações dogmáticas, está indeciso; oscila entre um e outro; varia conforme a região, a ocasião, e o nível.” (idem, p. 66).Todavia, o mais importante é que a carga semântica desses substantivos não se altera, “nem com as determinações dogmáticas, nem com as vacilações do uso.” (idem, p. 66). Alguns substantivos irão sofrer alterações: heteronímia, no caso, homem – mulher ; flexional, gato – gata ; e derivacional, galo – galinha. 

Para Maria Cecília P. de Souza e Silva e Ingedore Villaça Koch no livro “ Lingüística Ampliada ao Portugues: Morfologia”, as gramáticas deveriam ensinar o gênero dos substantivos a partir da descrição proposta, baseando-se, em primeiro lugar, na forma masculina ou feminino do artigo e considerando, em segundo lugar a seguinte definição abordada por Silva e Koch: Primeiro, nomes substantivos de dois gêneros com uma flexão redundante: o lobo; a loba; o pintor; a pintora; o mestre; a mestra. Em segundo, nomes substantivos de dois gêneros sem flexão aparente: o/a camarada; o/a selvagem; o/a mártir. E em terceiro lugar, nomes substantivos de gênero único: a pessoa; a testemunha; o algoz; a mosca. As duas autoras ainda acrescentam: “ Na descrição do gênero, como nas descrições lingüísticas em geral, é indispensável delimitar o plano gramatical e o lexical, tendo em vista que a gramática trata dos fatos gerais da língua e o léxico, dos fatos especiais. Assim , a descrição gramatical deve ser completada com as informações de um dicionário ou léxico, que seria constituído. De uma série não ordenada de regras lexicais, englobando todas as propriedades idiossincráticas de cada um dos itens lexicais. Caberia então, a um dicionário do português, registrar as ocorrências de gênero não explicáveis pelos padrões gerais da gramática.” ( SILVA, KOCH, p.51, 2003).

Entretanto, algumas gramáticas até hoje ainda tem uma classificação para o gênero muito atrasada, o que dificulta distinguir qual a maneira correta de se classificar o feminino e o masculino para alguns substantivos. Obviamente que a língua portuguesa por ter uma ampla complexidade, e oferecer de maneira, muitas das vezes desordenadas, palavras que acabam confundindo. E numa perspectiva gramatical, no caso da definição de gênero, a confusão é ainda mais complexa. Silva e Koch falam que nem todas as palavras vão ser marcadas flexionalmente, mas embora tais palavras admitem a anteposição de um artigo, o que já foi citado antes. As duas lingüísticas alegam que, consequentemente, a flexão de gênero, no caso o artigo anteposto, nos nomes é um traço assessório, redundante. “Essa flexão, acessória e redundante, embora se caracterize por um mecanismo simples, apresenta-se como um dos tópicos mais incoerentes e confusos de nossas gramáticas.” ( idem, p. 48). Para finalizar, as duas autoras irão dizer que quanto à natureza, o gênero costuma ser associado intimamente ao sexo dos seres. Silva e Koch defende vários argumentos contra está tese, em um deles discorre que “ o gênero abrange todos os nomes substantivos da língua portuguesa, quer seja referente a seres animais, providos de sexo, quer designem apenas coisas. (...) O conceito de sexo não está necessariamente ligado ao de gênero.” (idem, p. 49).

Para finalizar é correto dizer que “o gênero significa bem mais que simples distinção de sexo.” (ZANOTTO, p. 66). Assim fala Zanotto que vê como a maioria dos lingüistas defeitos na gramática portuguesa, especificamente nesta questão de gênero. Entretanto deve-se lembrar que as gramáticas em sua maioria ainda obedecem a uma norma antiga, e quase geralmente se atualizam. Mesmo sabendo que a língua está em constante processo de transformação. Hoje, por exemplo, existem termos novos que o português ganhou, outros que se foram. A palavra madeira que alguns lingüista já flexionam com seu masculino madeiro, antes não se flexionava, hoje em dia algumas gramáticas ainda não absorveram esta realidade. Estes e outros preconceitos ainda são visíveis na língua, a qual sempre está evoluindo ganhando e perdendo palavras. O gênero é só mais um dos tantos problemas que a gramática apresenta, já que tida com retrógrada, a gramática não aceita termos modernos. A língua elemento volúvel no ser humano, sempre deve ser revista e estudada, nunca deve prender-se ao passado. 

O gênero feminino e masculino não deve ser confundido com a questão biológica, assim afirmam os linguistas, pelo motivo simplório de que gênero e sexo são duas coisas posteriormente não coesas. Mas os gramáticos ainda permanecem no erro de reafirmar o contrário não dando importância de classificação. O que se verifica neste emaranhado de erros é a não consideração pelas lacunas que é visível, como no caso da gramática de Cunha e Cintra, citada logo no começo do texto que diz que é sempre difícil conhecer o gênero de um substantivo pela sua terminação. Estas é uma das tantas lacunas que a gramática ainda apresenta em suas páginas.


REFERÊNCIAS

CUNHA, Celso. CINTRA, Luis F. Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. -5. ed. - Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.

ZANOTTO, Normelito. Estrutura Mórfica de Língua Portuguesa. - 4. ed. - Caxias do Sul: EDUCS, 2001.

SILVA, Maria Cecília Pérez de Souza. KOCH, Ingedore Villaça. Lingüística Apliada ao Português: Morfologia. – 14. ed. – São Paulo: Cortez, 2003.


PAULO MONTEIRO DOS SANTOS
Graduado em Letras (UNEB); Graduado em filosofia (FAVI)