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quarta-feira, 29 de abril de 2015

ARTIGO: A CATARSE COMO MEIO DE SUPERAÇÃO PARA CONFLITOS FAMILIARES ATRAVÉS DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL


Andrezza Miranda de Andrade1
Camila Bastos Silva2
Cleide Carvalho Matos3
Daniela Moura Conceição4
Josilma Santos de Jesus5
Nilton Carlos Carmo Sousa6
Raíne Simões Macedo7
RESUMO
Este artigo propõe abordar o papel que a Literatura Infanto-Juvenil exerce no psicológico da criança, bem como explanar seu surgimento e como esta pode servir de auto-ajuda para a resolução de problemas por meio da catarse. Para isso será explicitado inicialmente, a trajetória da literatura infanto-juvenil, assim como o conceito de catarse no que diz respeito aos conflitos familiares. Serão utilizadas como recursos bibliográficos as obras “A Psicanálise dos Contos de Fadas” de Bruno Belheteim (1980), “A Literatura Infanto-Juvenil Brasileira Vai Muito Bem, Obrigada!” de Glória Pimentel Correia (2006), e “Catarse e Final Feliz” de Myriam Ávila (2001), bem como alguns artigos.


PALAVRAS CHAVE

Literatura infanto-juvenil; catarse; conflitos familiares


INTRODUÇÃO

A literatura infanto-juvenil tem papel fundamental na formação da identidade social da criança leitora, uma vez que não tem apenas o intuito de diverti-la, mas também o de informá-la e de desenvolver sua personalidade nos diversos estágios psicológicos, transmitindo as experiências da vida de modo significativo. Neste sentido, esta função é cumprida através do que se denomina catarse, que pode ser entendida como um meio de evasão. Segundo Aristóteles, “a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama” 8, sendo assim, seria um modo de desabafar através da arte literária uma dor por meio da relação leitor/texto. No entanto, a literatura infanto-juvenil não se restringe apenas à catarse, como purgação de sentimentos maléficos, mas ela também consiste como um “fenômeno norteador de nossa intervenção na sociedade, com o intuito de buscar soluções para os desequilíbrios sociais e modos de aprimoramento de nossas relações humanas.” 9 Desse modo, a literatura propicia na criança uma leitura ampla de mundo, à medida que aguça a sua sensibilidade e inteligência.
Partindo disso, pretende-se aqui especificar um conflito que pode ser superado por meio de funções catárticas na literatura, a saber, os conflitos familiares originados do rompimento do vínculo dos pais, enfatizando as mudanças que ocorrem na rotina da criança que vive a guarda compartilhada.

1 O PERCURSO DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

O surgimento da literatura infanto-juvenil está atrelado a quatro fatores que, apesar de ter fomentado sua expansão, foram empecilhos para a sua valorização enquanto gênero: o advento da burguesia, o reconhecimento da infância como uma fase importante e a necessidade de orientá-las na sua formação, e a criação das escolas.
É exatamente no momento em que a classe burguesa está em vigor que é arquitetada essa literatura atribuída infanto-juvenil. Há muito tempo a literatura endereçada as crianças e jovens, ficou sujeita à marginalidade e à depreciação, devido a seu vínculo à instituição escolar desde a sua origem. Por conseguinte, isso colaborou para seu feitio moralista autoritário e pedagógico. Outro fator relevante é que a princípio os contos de fadas criados eram para o público adulto, mas que triunfou entre o publico infantil.
Todos estes fatos supracitados foram pertinentes para essa literatura ter ganhado um caráter utilitário, por isso ter sido desvalorizada. Além disso, o autor era considerado como o dono da verdade, ou seja, seus escritos eram via de mão única, a qual não tinha espaço para o outro (leitor), por isso pode-se dizer que o destinatário é um receptor passivo, que não participava ativamente do texto. Consequentemente, isso restringiu a importância do fator estético. Dessa forma, a literatura não priorizou nas suas origens, uma criação cuja intenção primeira é o prazer, mas sim como reflexo da tradição popular, neste sentido é marcada pela oralidade.
Fontes como fábulas, mitos, lendas, contos de fadas foram transmitidos oralmente, estes fazem parte do quadro de tradição oral, cuja foi basilar para a literatura infanto-juvenil. Nessas fontes se encontram a imaginação e o maravilhoso, assim, a literatura mescla todos esses universos, ganhando um perfil mais condizente ao leitor mirim. Deste modo a literatura
[...] promove recreação, também cultiva valores necessários à vida em sociedade e favorece o raciocínio e inteligência da criança e do jovem. Ela pode significar também evasão, se os elementos da fantasia e da imaginação estiverem presentes”. (SOUZA, 2006, p. 53-54)

Assim no século XIX a literatura infanto-juvenil ganha destaque, pois se desvencilha do caráter utilitarista e passa a privilegiar as crianças. Pode-se dizer que há uma nova ótica, pois os adultos passam a entender a necessidade de estimular as crianças pelo gosto da leitura. Nesse momento, passa-se a dar importância à fantasia, o sonho e a emoção, acima daquele caráter autoritário e pedagógico que residia na literatura.
Pode-se ver que a literatura alcança novo cenário, de revitalização, pois a partir do momento que o elemento estético se faz presente, esta literatura começa a fazer sucesso. Essa literatura era tida como uma escrita funcional, isto é, algo monólogo, sem interação do leitor, por isso a sua depreciação. Mas quando esta literatura abandona esse caráter autoritário ela ganha uma roupagem que se adéqua ao público infantil, deixando de lado seu cunho utilitário e dando lugar a emoção.

2 A CATARSE E OS CONFLITOS FAMILIARES

Catarse é uma palavra derivada do grego kátharsis", que significa purificação, evacuação ou evasão. Além de ser usada na medicina e na psicanálise, também é utilizada nas artes, inicialmente na tragédia, a qual é postulada por Aristóteles como a desencadeadora de catarse, pois compreende um conflito entre personagens. Geralmente são histórias que têm finais tristes, onde o herói trágico, por atitude exagerada, passa da "Felicidade" para o "Infortúnio", alcançando assim a catarse. Mas esta também pode ser encontrada nas tragédias modernas como, nas obras de William Shakespeare, famosas por serem forte influência ocidental.
Neste sentido, a catarse, na literatura infanto-juvenil, compreenderá um meio da criança superar o sofrimento que sente diante de um conflito, nesse caso, familiar, através da história de uma personagem que passe por conflitos semelhantes.
Sabe-se que a literatura infanto-juvenil atrela a estética e o lúdico, sendo estes elementos importantes para a propiciação da criação artística, a qual amalgama o prazer, o sonho, a fantasia para o universo da criança. Mas atrela-se ainda à literatura, a relação entre catarse e o estético, chamando-se assim, de catarse estética, cuja, marcará o encontro do leitor com o que ele tem de emoções mais autênticas, do que ele é do ponto de vista afetivo, remetendo-o para o gênero humano de forma direta e imediata.
A partir do momento em que a criança tem essa experiência afetiva tão forte, ela se transforma profundamente, se transportando de sua vida cotidiana para o mundo das emoções, como sendo somente ela e o livro.
Ao retornar ao seu mundo cotidiano, a sua posição frente a este mundo já não será a mesma, pois não é possivel o esquecimento do nível, da qualidade e intensidade das emoções pelo qual a criança teve a experiência. Principalmente, quando a criança passa por conflitos familiares, pois o seu desenvolvimento intelectual e cultural (no que consiste no agir, no pensar, no sentir), dependerão da sua relação com os pais. Então, posteriormente, com vínculos quebrados, há uma desestabilidade emocional, que apelará para a opção de muitos pais se adequarem a guarda compartilhada. Portanto, a família é bastante fundamental para o desenvolvimento cognitivo da criança, visto que a identidade e personalidade da criança é organizada a partir da estrutura familiar, fornecendo cuidados básicos para que ela tenha uma boa relação consigo mesmo e com o mundo.
A respeito da guarda compartilhada, esta é a melhor solução para a resolução dos problemas advindos de uma separação, sendo um meio de perpetuar o convívio da criança com os pais de forma igualitária. Nesse caso, pode-se afirmar que “Compartilhar a guarda é compartilhar também as decisões sobre a vida da criança: onde ela vai estudar, que esporte vai fazer, como vai ser gasto o dinheiro”.10
Mas diante de tal situação, a criança ainda tem dificuldades de adaptar-se a este tipo de cotidiano, pois tudo agora passa a ser diferente, ela passa a ter dois lares, geralmente, com regras diferentes em cada lar, as programações para finais de semana mudarão, terão que estabelecer um novo contexto de família, além de ter a possibilidade de se adaptar a uma nova família quando seus pais casam novamente.
Diante disso, a catarse, por meio da leitura, é um excelente instrumento para que a criança se posicione de maneira menos traumática perante esta situação conflituosa de ruptura de vínculos. Segundo Bruno Bettelheim (1980), os contos de fadas proporcionam à criança subsídios para suportar seus conflitos interiores, liberando emoções reprimidas, indicando alternativas, a fim de fomentar a catarse influindo o otimismo.
Para isso, vale ressaltar, que a catarse somente, não basta, é preciso também o estético, ou seja, a criança necessita “[...] ver o conflito projetado de forma simbólica e idealmente resolvido em um final feliz, evitando que ela permaneça aprisionada em seu reduto angustiante.” (ÁVILA, 2001, p. 128)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme os pressupostos, fica perceptível que a literatura infanto-juvenil alcançou mudanças significativas, pois passou a se preocupar com o público infantil, além de considerar o fator estético na escrita como um elemento importante. Vale ressaltar que este inicialmente era ausente, o que contribuiu para a sua desvalorização.
A estética contribuiu para que essa Literatura alcançasse reconhecimento, e fosse assim, apreciada. Ver-se ainda que a catarse está acoplada com a estética, promovendo aos leitores mirins uma maneira de desencadear suas emoções reprimidas por conflitos familiares, sendo desta forma, uma ferramenta de alívio, no que abrange a superação desses conflitos. Visto que para emergir essa catarse fazem-se mister experimentar momentos de traumas e de percas.
É através da catarse que a criança tem um encontro íntimo consigo mesmo, com suas próprias emoções, conflitos, traumas, isto é, é propiciada através da catarse estética uma relação interpessoal profunda, que resultará numa nova maneira de olhar seu próprio mundo, levando-a a enfrentar de maneira mais suave a sua realidade. Já que o conflito familiar, especificamente, a separação de pais, é duradouro em alguns casos, a literatura infanto-juvenil, neste caso, cumpre o papel de intervir como norteadora da readaptação que a criança precisa ter.
Diante das mudanças de rotina, a criança terá uma capacidade, através da leitura, de olhar a situação não de forma rigorosa, mas divertida. De poder transformar estas “desorganizações” de seu cotidiano em agradável, alegre, engraçado. Assim, é notória a indispensabilidade da catarse estética na literatura infanto-juvenil, e sua forte influência benéfica para superação de conflitos familiares.

REFRÊNCIAS

ÁVILA, Myriam. Catarse e final feliz. In: ___Aletria: Revista de Estudos de Literatura. 2001, p. 128.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 1980.

SOUZA, Glória Pimentel Correia Botelho. A Literatura Infanto-Juvenil brasileira vai muito bem, obrigada! Ed 1. São Paulo: DCL, 2006. p. 53-54.


1 Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
2Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
3Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
4Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
5Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
6Acadêmico do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
7Acadêmica do curso de Letras da UNEB – CAMPUS XXII- Euclides da Cunha/BA.
8http://pt.wikipedia.org/wiki/Catarse. Acesso em: 27 de maio de 2013 às 14h21min.
10http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0402201006.htm. Acesso em 30 de maio de 2013 às 15:03.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

SETE ASSASSINATOS


Amigos de minha terra
Quero agora lhes contá
Um fato que se encerra
Em minha cidade natá
Não foi sorte nem guerra
Mas vidas pré-natás.

As secas que aqui andaram
Deixaram nas mães o pavô
E os seus filhos largaram
A sorte que a vida deixou
As luzes da vida falaram:
Se é morte infantil é dor.

Era um mês frio de junho
Chovia como que faz sol
As minhocas faziam túnel
As borboletas faziam pó
Mas parecia não ser junho
Era seca verde sem sol.

Numa casa velha na roça
Dona Maria cozinhava
Suas filha lindas rosas
Mas pálidas como fantasmas
Eram cinco lindas toscas
Com sete anos cada.

Uma se chamava Joaquina
As outras iguais a mãe Maria
Maria Conceição, Maria Carminha
Maria Teresa, Maria Luzia
A penúltima era Crismina
A ultima igual a mãe Maria.

O pai sem muita educação
Era um homem de labuta
Seu nome era João
E nessa grande luta
De terra céu e pão
Vivia uma vida de surra.

Uma grande sorte bruta
Era sua vida ingrata
E a natureza com sua fúria
Trousse um tempo que secava
Nas mãos das meninas a cuia...
“Vamos ao açude encher a cabaça.”

Pra piorar a situação
E a luz que já não via
Num domingo de São João
Morri a caçula e linda Maria
Só por causa do patrão
E da comida que não via.

Passado todo o longo drama
Dona Maria e uma vigília
Foram ao cemitério leva rama
Ao tumulo do anjo Maria.
Agora na cidade era fama
Sete crianças mortas por dia.

Era agora fama na cidade
Quem beija em pé de anjo
Fica com muita coragem
Tudo isso embaixo do pano
Pra esconder a verdade
Das milhares de mortes ao ano.

E numa quente segunda-feira
Que nem si via ventania
É encontrado na esteira
O corpo da pobre Crismina.
Oh que vida mais sorrateira
Para a doce mãe Maria.

No natá nossas crianças
Esperam um presente do céu
E dona Maria tem esperança
De nunca mais pô o véu
E como se fosse uma vingança
Lhe rasgam mais um papel.

Na manhã de terça-feira
Luzia não quer comer
Seu João lhe trousse uma pêra
Isso só lhe faz sofrer
Nesta manhã de terça-feira
Luzia decide morrer.

Tão triste e o destino
Daquele flor tão inocente
Por sete dias tocam o sino
Por sete anos um lamento
Pelos fios que são tão finos
De João e Maria o sofrimento.

Em poucas semanas Teresa
Brincando em tanto quintal
Embutida dentro da sexta
Brincando de lobo-mau
Um barbeiro lhe corta a veia
Acabou seu lindo madrigal.

Talvez seus pais chorassem
A perda de sua linda filha
Mas mesmo que a amassem
Sabia de toda a sua sina
E de dentro veio a coragem
Pra tocá a louca vida.

A vida louca foi tocada
Mas o destino ali parou
Carminha flor foi levada
Para bem junto do senhor
A quinta-feira foi sangrada.
Seus pais se rasgam de dor.

“Oh que vida tão doida
Que o mundo me guardou
Resolveu levar minhas filhas
E isso só nos fez a dor
Se ontem eu sorria
Hoje eu sou só pavô.”

“Ô Maria sei que choras
E é muito justo tu chora
Mas lembre-se da aurora
Levante o teu sonhar
Hoje aqui você chora
Amanhã sei tu se alegrará.”

Sei bem que seria bom
Tudo aqui se encerrá
Mas neste triste tom
O sino fez-se ressoá
Era a Conceição que com
A morte hoje partirá.

Nesta noite de sexta-feira
Conceição ali sofreu
Sua vida fico a beira
Do caminho que tremeu
E as lembrança da ribeira
Todas elas as esqueceu.

É a morte de Conceição
Anunciava a preta velha
Com muita dor no coração
Seu pai acendeu a vela
Na luz frente um lampião
Sua mãe se descabela.

“O destino quis assim
De levá a Conceição
Para bem perto de si
Acalmai vossa aflição
Pois é feito para um fim
Esse nosso galardão.”

“Senhor vigário eu lhe digo
Nos resta ainda Joaquina
Que Deus lhe tenha consigo
E lhe ponha a mão divina
O senhor é meu amigo
Reze a luz que lhe ilumina.”

A mais de trezentos anos
Aqui se ergueu uma cruz
E por assim contar os planos
Aqui andou o Bom-Jesus
Acalmou nossos desenganos
Mas cortaram a sua luz.

Dizem o monte é santo
E essa cruz que ilumina
Mas a vida de desenganos
Foi para a pobre mãe Maria
Que como outros planos
Eram sete mortes por dia.

E o final de Joaquina
Foi como de suas irmãs
No sábado de tardezinha
Lembrará sua manhã
‘É a morte de Joaquina!
Acabou o gosto da maçã.

Um João mais uma Maria
Neste sertão de surdos
Sabiam como sofriam
As crianças como mudos.
Sete crianças morriam
Nas regiões de Canudos



Paulo Monteiro - Graduado em Letras - UNEB.