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segunda-feira, 28 de julho de 2014

Artigo: CONFRONTO DE CULTURA; A CULTURA INDÍGENA E A CULTURA OCIDENTAL



DAMARIS PASSOS DA SILVA[1]
GILVANETE FERREIRA DE BRITO[2]
PAULO MONTEIRO DOS SANTOS[3]


1 INTRODUÇÃO

            Em mil e quinhentos os portugueses desbravaram no Brasil, e de lá para cá, vemos que aquilo que se deu com os índios em nosso território, (não só no território brasileiro, mas em quase todo o território das Américas, desde Canadá até no Brasil) foi um confronto de cultura que terminou com o extermínio das tradições e da identidade dos povos indígenas.
            Este confronto não foi apenas uma guerra de cultura, mas também uma guerra no sentido da própria matança do índio, que nada mais era que as formas de como os colonizadores acharam para destruir a cultura dos povos nativos.
            Sua língua, suas tradições, sua forma de ser, sua religião, em fim uma, infinidade de estratégias para corroer os costumes dos nativos e tomar-lhes os seus bens mais significativos que era o território e as riquezas de sua terra.
            Neste pequeno artigo iremos tratar de maneira simplória como se evidencia este confronto de cultura entre o colonizador e o colonizado; o porquê de o índio ter se encantado com a cultura ocidental, e logo em seguida o confronto entre índio e colonizador.
            É importante falarmos que os povos que aqui habitavam não constituíam uma nação como entendemos aquilo que se denomina por nação, ou seja, povos de uma mesma identidade, costumes e cultura. Os nativos nas Américas eram formados por grupos étnicos bem diferenciados. No dizer de Darcy Ribeiro (1995)

[...] Não era, obviamente, uma nação, porque eles não se sabiam tantos nem tão dominadores. Eram, tão-só, uma miríade de povos tribais, falando línguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma língua, cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois povos que começavam a se diferenciar e logo se desconheciam e se hostilizavam. (p. 29)

            Sendo assim podemos dizer que os silvícolas, na época em questão, tinham suas diferenças entre si. O espanhol e o português se aproveitaram disso para que se facilitasse o poder de dominação e imposição da cultura ocidental, no caso a do colonizador.
            Para esta analise usaremos o texto de Jorge Luis Borges (1999), História do Guerreiro e da Cativa, e A carta de Nicolas Durand de Villegagnon a João Calvino, texto retirado da obra de Jean de Léry (2007), Viagem a Terra do Brasil, entre outros teóricos que darão suporto para está analise.
            Dissertaremos o nosso tema em dois capítulos, o primeiro conta-se o encontro das duas culturas, a do europeu e a do índio. No segundo capítulo esboçaremos o confronto destas culturas tão opostas ou “as opostas visões” como assim reflete Darcy Ribeiro (1995, p.43). Esperamos com este artigo trazem a luz novas ideias ao campo da cultura indígena e brasileira como um todo.

2 O ENCONTRO ENTRE O ÍNDIO E O EUROPEU

            A princípio este encontro entre esses dois povos, tão diferentes em seus costumes, foi de caráter amigável, pelo menos no que se refere entre o português e os índios no Brasil. Como observa Darcy Ribeiro (1995, p. 42): “Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os índios.”
            Os europeus eram qualquer coisa de fantástico para os nativos, seres vindos de terras sagradas.

Os índios perceberam a chegada do europeu como um acontecimento espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo. Seriam gente de seu deus sol, o criador – Maíra -, que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos, espoliadores ou dadores. (RIBEIRO, 1995, p. 42)
  
            Isso ficou evidente para aquela gente que nunca na vida tinham visto pessoas tão diferentes de sua cultura. Está magnífica visão diante do novo fez com que os nativos se encantassem pela aquela gente.
            Assim também sucedeu com o jovem Droctulft que segundo Borges (1999, p. 39) “ [...] foi um guerreiro lombardo que, no assédio de Ravena, abandonou os seus e morreu defendendo a cidade que antes havia atacado.”  Podemos assimilar a história do jovem Droctulft com as dos povos indígenas? Cremos que sim.
            Lembramos que este Droctulft era um bárbaro, e os bárbaros estavam querendo derrubar o império romano, mas este jovem guerreiro resolve mudar de lado e lutar a favor de Roma contra os invasores do império.
            Mas o que se deu para que Droctulft mudasse de ideia? Quais os mecanismo que o fizeram recuar para a outra face da moeda? Pois diz-nos Borges (1999) sobre este Droctulft:
 
[...] Porem mais congruente é imaginá-lo devoto da Terra, e de Hertha, cujo ídolo coberto ia cabana em cabana num carro puxado por vacas, ou dos deuses de guerra e do trono, que eram toscas figuras de madeira, envoltas em roupas tecida e recoberta de moedas e argolas. Vinha das selvas inextricáveis do javali e do urso; era branco, corajoso, inocente, cruel, leal ao seu capitão e à sua tribo, não ao universo. [...] (BORGES, 1999, p. 40)

            Se notarmos nesta fala, iremos ver Droctulft como um homem ligado a sua terra, sua gente, sua cultura. Tem suas convicções e certeza delas. Está exposto com clareza que é um homem que vive alem de sua cultura, vive para sua terra. Mas acontece aquilo que se pode acontecer a qualquer um quando se defronta com outra cultura, um choque de costumes entre dois universos diferentes, que pode levar ao confronto, ou ao encantamento.

[...] As guerras o trazem a Ravena e aí vê algo que já mais viu, ou que não viu com plenitude. Vê o dia, os ciprestes e o mármore. Vê um conjunto que é múltiplo sem desordem, vê uma cidade, um organismo feito de estatuas, de templo, de jardins, de habitações, de grades, de jarrões, de capitéis, de espaços regulares e abertos. Nenhuma destas obras (eu sei) o impressiona por ser bela; tocam-no como agora nos tocaria uma maquinaria complexa, cujo fim ignorássemos, mas cujo desenho fosse adivinhada uma inteligência imortal. (BORGES, 1999, p. 40)

            Droctulft está encantado, enfeitiçado a contra luz. Deste confronto o que ficou foi um guerreiro conquistado, enfeitiçado pelas coisas fantásticas da outra cultura. Temos o encontro do nativo com o invasor que vem armado com algo de novo e perigoso.

3 O CONFRONTO EM AS CULTURAS

            Sabe-se que o confronto entre duas cultura pode ser muito perigoso porque gera uma serie de fatores ruins para os dois lados em luta, principalmente mortes e guerras. Uma destas batalhas foi com a língua. “O emprego da língua geral[4] foi progressivamente diminuindo nas comunidades urbanas do litoral, para ir-se concentrando nos ambientes rurais do interior.” (NETO, 1976, p. 600)           
            Mesmo a língua indígena sendo mais frequentemente falada não conseguiu impor-se a língua estrangeira, e porque isso? Se o nativo está encantado com aquele povo que aqui apareceu, é bem verdade que tudo naquela gente era lindo, inclusive a língua que serviu como status social. Assim diz-nos Serafim da Silva Neto (1976):

Os portugueses falavam, é certo, a língua geral, a fim de entrar em contato com os índios: mas certamente o faziam considerando a sua própria língua como superior. Para eles o tupi ou tupi-guarani não passava de uma rústica língua de bugres. (NETO, 1976, p. 600)

            Assim podemos dizer que o nativo venerava os costumes do outro, como falamos antes, e a cultura do estrangeiro começava seu processo de dominação.

Nenhuma destas obras (eu sei) o impressiona por ser bela; tocam-no como agora nos tocaria uma maquinaria complexa, cujo fim ignorássemos, mas em cujo desenho fosse adivinhada uma inteligência imortal. (BORGES, 1999, p. 40)

            Pelo contrario, os colonizadores achavam que sua cultura era superior a dos índios e se apresentavam como deuses para aquela gente deslumbrada com aqueles costumes. Para entender isso trazemos o filósofo Nietzsche (2007) e sua reflexão sobre essa imposição cultural.

Nos tempos primitivos, tudo dependia, portanto, dos costumes, e aquele que quisesse se elevar acima dos costumes devia tornar-se legislador, curandeiro e algo como um semi-deus: isto é, devia criar costumes. (NIETZSCHE, 2007, p. 23).


            O colonizador não queria criar costumes, mas com certeza queria elevar-se sobre os costumes do outro, e conseguiu de certa formar, é tanto que destruiu a maioria das tribos e a cultura dos poucos costumes indígenas que sobraram.
            Como vemos nesta citação do filósofo alemão, o colonizador se elevava a cima dos costumes dos nativos, e queria criar novos costumes ou impo-lhes os seus.        E como os colonizadores viram os índios? Segundo Nicolas Durand em carta a um dos formadores da Reforma Protestante, João Calvino (LÉRY, 2007):

O país era totalmente deserto e inculto. Não havia nem casa nem teto nem quaisquer acomodações de campanha. Ao contrario, havia gente arisca e selvagem, sem nenhuma cortesia nem humanidade, muito diferente de nós em seus costumes e instrução; sem religião, nem conhecimento algum de honestidade ou de virtude, do justo, e do injusto, a ponto de vir à mente a ideia de termos caído entre animais com figura de homens. ( VILLEGAGNON; apud LÉRY, 2007)

            Vemos aqui uma discrição totalmente preconceituosa do índio gentílico feita pelo desbravador, mas é justamente isso que o colonizador pensava do índio em nosso território, ou seja, a cultura europeia considerava a cultura americana muito inferior a sua, nisso começou um confronto que resultou em mortes e dominação. 
            Assim temos a cativa de Jorge Luis Borges (1999) como uma dominada dentro do seu próprio território que era as Américas:

[...] Fazia quinze anos que não falava o idioma natal e não era fácil recuperá-lo. Disse que era de Yorkshire, que seus país emigraram para Buenos Aires, que os perdera num ataque, que os índios a levaram e que agora era mulher de um capitãozinho a quem já tinha dado dois filhos e que era muito valente. Foi dizendo isso num inglês rústico, misturado com araucano ou com pampa, e por trás do relato se vislumbrava uma vida cruel [...]. (BORGES, 1999, p. 42)

            O texto de Borges (1999) é enfático em sua significação sobre a dominação de uma cultura para com a outra. “Foi dizendo isso num inglês rústico, misturado com araucano ou com pampa, e por trás do relato se vislumbrava uma vida cruel”. (BORGES, 1999, p. 42) A que ponto está dominação teve de chegar, escravizando mulheres, matando homens e crianças de formar desleal e covarde, é isso que a cativa de Borges (1999) nós informa.

Mil e trezentos anos e o mar punha-se entre o destino da cativa e o destino de Droctulft. Os dois, agora, são igualmente irrecuperáveis. A figura do bárbaro que abraça a causa de Ravena, a figura da mulher europeia que se decide pelo deserto podem parecer antagônicas. No entanto, um ímpeto secreto arrebatou os dois, um ímpeto mais fundo que a razão, e os dois acataram este ímpeto que não souberam explicar. [...] (BORGES, 1999, p. 42)

            E assim o mestre Borges (1999) encerra seu conto explicado-nos esta imposição a que a cultura foi estabelecida, tanto em Droctulft como na Cativa. Na cativa de forma cruel e perturbadora.
            Assim para o índio a luta da cultura terminou em sangue e crueldade para com seu povo, mas para o europeu coube comemorar sua vitória, mas como diria o mestre Machado de Assis (1994) em seu celebre livro Quincas Borba, de fora irônica: “Ao vencedor, as batatas.” (ASSIS, 1994, p. 236)

CONCLUSÃO

            De fato não podemos dizer que uma cultura venceu a outra e que está terá uma vida eterna, já que a cada dia a humanidade evolui e novas coisas são reveladas. Assim o que era antes pode voltar a vir a ser novamente, a História nos prova isso a cada dia.
            O confronto entre a cultura indígena e a cultura ocidental está acontecendo ainda, e nesta guerra o índio vem perdendo terreno, mas enquanto existir a cultura sendo exercida em qualquer parte, ela ainda está lá e não foi vencida, porque o bom guerreiro nunca pode fogir a guerra.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado. Quincas Borba. – 2ª. Ed – São Paulo: FTD, 1994.

BORGES, Jorge Luis. Obras completas de Jorge Luis Borges. São Paulo: Globo, 1999.

LÉRY, Jean. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 2007.

NETO, Serafim da Silva. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Presença; Brasilia, INI, 1976.

NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. São Paulo: Escala, 2007.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.





[1] Graduando do Curso de Letras na Universidade do Estado da Bahia- DCHT- Campus XXII, 8º Semestre.
[2] Graduando do Curso de Letras na Universidade do Estado da Bahia- DCHT- Campus XXII, 8º Semestre.
[3] Graduando do Curso de Letras na Universidade do Estado da Bahia- DCHT- Campus XXII, 8º Semestre.

[4] A língua geral a que o autor aborda é o tupi-guarani.