Qual a condição das histórias do passado para o homem? Antes de respondermos, devemos saber que estas histórias são todas fictícias. Sua condição é nos tirar dessa realidade; nos tirar do mundo. Os mitos e religiões, têm como núcleo, o paradoxo. No fundo os nossos relatos é para responder quem somos, ou responder o que é o homem. Mas Deus não pergunta ao homem o que ele é, ou quem ele é, mas “onde estás”? (Gn. 3,9). A pergunta mais cabal em nossos tempos, não é saber quem somos, mas é saber onde estamos, e como sair do lugar em que estamos.
Em tempos de pós-verdade não existem mentiras e isso é assustador, já que se os relatos e fake news, fossem mentiras, poderíamos reparar os fatos. A mentira é uma verdade e é feita para não durar. E a verdade que mais nos interessa é a que não dura. Esta verdade deve ser feita para o futuro, pois não podem durar no eterno presente. E mesmo as verdades eternas, devem não durar. O que é o amor hoje? Assim como as verdades, a misericórdia (tema central desta conferência) não foi feita para durar.
A verdade tornou-se uma mercadoria: Hoje ela é feita para ser comprada nas prateleiras dos supermercados. E se ela é uma mercadoria ela tem seus produtores, pessoas que são pagas para elaborarem verdades. A verdade é icônica: A verdade foi feita para ser olhada pelas pessoas; vista, vislumbrada. Deve ser impactante, só assim ela nos prende a atenção. Esta verdade é delirante: Ela tem uma resposta para cada uma de nossas necessidades.
Assim surge a pergunta de não nos preocuparmos de sabermos quem somos, mas onde estamos. A sociedade humana quer se situar no espaço-tempo, entre um passado e um futuro. Um passado perdido, que não tem volta e um futuro de proposta que nunca chegam. Mas onde fica a “misericórdia” nessa história? Ela tem um nome que é “cuidado”. Hoje não temos mais cuidado com os outros nem com o mundo. Como vamos entender da misericórdia nesse mundo da falta de comprometimento? De certo modo, a misericórdia também tornou-se uma mercadoria. Ela é icônica e produzida.
Hoje nós nos amamos virtualmente. Sou capaz de me comover com pessoas morrendo na TV, mas não com os mendigos da rua de casa. E os produtores das verdades sabem disso. Nós temos que pensar e repensar o que significa o “cuidade” (misericórdia). Então, não devemos olhar como um cálculo, mas num sentido de “cuidado”. Pascal afirmava que temos que ter um comprometimento com o outro como em forma de empatia. Atrás de um corpo tem um ser-aí.
Nos tempos de pós-verdades, nós estamos vendendo o corpo, limitando o conhecimento do outro apenas ao corpo. O homem não é só um corpo, é um ser para o espírito. Hoje não sentimos com as pessoas seus sofrimentos. Para onde vai nos levar esses tempos de pós-verdades sem misericórdia? Se não nos comprometermos com o olhar de misericórdia ao outro, como vamos viver em tempos de pós-verdades?
Bortolo Valle
Filósofo
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