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sexta-feira, 24 de abril de 2020

ENSAIO: RELAÇÃO JESUS E SÓCRATES; JESUS O TRANSGRESSOR DE VALORES, SÓCRATES O MANTENEDOR DE VALORES


PAULO MONTEIRO DOS SANTOS[1]
 

INTRODUÇÃO
 
            Nesta pequena reflexão iremos abordar o julgamento de Jesus e vamos fazer uma comparação, do mesmo, com o julgamento de Sócrates. Nosso objetivo com este conteúdo é mostrar que Jesus, diferentemente de Sócrates, foi um transgressor, mas que esta transgressão fora necessária para resgatar a dignidade do povo sofredor em seu tempo.
            Contrariamente, mas não menos virtuoso, Sócrates buscava salvar a democracia ética da cidade contra a corrupção individualista dos maus sofistas. Deste modo, acreditamos que os temas são distintos, mas cada um com sua nobreza e valor. Ratificamos que nosso foco não é teológico, porém, de certa forma, político-social. Não descartamos a teologia, no entanto, vamos usá-la como ponto de apoio ao assunto aqui explorado.
 

1 O JULGAMENTO SOCRÁTICO
 
            O primeiro ponto é sabermos que Sócrates não foi condenado por uma espécie de heresia em si, mas por ensinar aos jovens doutrinas ateístas, o que na verdade, e Platão tenta demonstrar na Apologia a Sócrates,[2] tal acusação é mentirosa, pois foi justamente o próprio oráculo de Delfos (por uma prática religiosa) quem anunciou a Sócrates que ele era o mais sábio dos homens.
            Assim, e há muitas mais provas sobre o fato, Sócrates não pode ser considerado um transgressor de valores, mas ao contrário: Sócrates foi o mártir dos costumes éticos atenienses, pois o mesmo acusou, em seu julgamento, que eram os sofistas os quais feriram a democracia de Atenas quando passaram a cobrar por seus ensinamentos, fato que era absurdo para o regime de Atenas.
            Analisemos isso: Sócrates morreu por defender os valores éticos morais da república contra as falsas doutrinas. Logo em seguida, o filósofo não recusou a sua pena. Quando, segundo Platão, seus discípulos o aconselharam a fugir, Sócrates recusou esta atitude e abraçou a morte sem arrependimentos. Morrer por crer que a maioria, e esta era a República, o condenava a morte.[3]
 
2 O CASO JESUS
 
            O caso de Jesus é parecido ao de Sócrates, mas não é o mesmo. Primeiro que não havia uma república em Israel no tempo de Jesus; Segundo: os grupos sociais políticos eram distintos dos de Atenas; Quarto: Jesus de fato transgrediu-o os valores dos regimes judaicos. Vamos entender tudo isso.
            Israel era uma monarquia, a qual estava fragmentada em dois reinos: do Sul e do Norte, Judá e Samaria; Além disso era dominada por outro império: O romano. Não havia em Israel uma unidade governamental. Opostamente a classe ateniense onde todos eram cidadãos e tinham a palavra no senado, Israel era formado por vários grupos: Saduceus: espécie de aristocratas; Fariseus: os chamados mestres da lei; Os rebeldes Zelotes; e religiosos extremistas como os Essênios. Por último e menos importantes estavam os Anawin: os chamados pobres de Javé. Essa era a situação sócio-política em Israel.[4]
            Jesus logicamente nasceu neste contexto e e era um dos pobres de Javé. Nasceu neste contexto e transgrediu os valores quando afirmou abertamente no templo que ele era o Filho de Deus. E para confirmamos esta transgressão, observamos que antes, no monte das Oliveiras, quando os guardas perguntaram entre os discípulos de Jesus, quem era Jesus o Nazareno? O próprio Jesus responde: “Eu sou”, pronunciando o nome de Deus a sua pessoa. Ato criminoso. Além de ter confirmado no próprio pátio do sinédrio essa mesma blasfêmia.
            Sem sombra de dúvidas, a acusação fez a parte dela em mostrar que diante da lei Jesus estava errado. Mas porque Jesus fez tal heresia? Talvez a resposta esteja nestes pobres de Javé, os anawin. Quem eram estes pobres? Eram os leprosos retirados das cidades e que ninguém tocava; eram as viúvas doentes que os fariseus não atendiam; eram os pescadores explorados pelos cobradores de impostos; eram as prostitutas que sofriam com seus transtornos sexuais; Eram os josés carpinteiros; as marias desamparadas; os cegos na porta do Templo; os coxos que sofriam por acreditarem que seus problemas físicos eram a culpa de seus pais. Jesus transgrediu os valores por esta gente.
            De certa maneira, Jesus morreu para cumprir uma nova aliança entre Deus e os pobres anawin que padeciam no deserto. Ainda antes de morrer, apareceu o último pobre, o ladrão arrependido! Ora, um criminoso arrependido não é digno do perdão? Parece que para Jesus era.
 
3 JESUS O TRANSGRESSOR
 
            Parece-nos que Jesus morreu transgredindo todos os valores em Israel. Já em seu nascimento começa as primeiras transgressões. Sua mãe Maria e seu pai José, são os primeiros a irem de encontro a estes valores: José, criminosamente protege Maria a qual teve um filho fora do casamento. Outra transgressão de Jesus era de ser chamado, mesmo pelos fariseus, de Rabi: mestre das escrituras sem nunca ter estudado numa escola de tradição farisaica. Depois, e aqui se aumenta as transgressões, Jesus trabalha no sábado; toca no leproso impuro; na prostituta; e o mais absurdo das transgressões para os doutores da lei: perdoa pecados. Assim, diziam os fariseus: “Quem é este homem que perdoa pecados? Que loucura é essa?”[5] Jesus sistematicamente, rompe todos os valores possíveis do seu tempo em nome de uma causa: Os pobres de Javé: Anawin.
            E qual a causa de tudo isso? Jesus queria lhes dá uma esperança, um motivo para viver, uma dignidade. A dignidade do Pai para aqueles que mais padeciam em Israel, por isso prometia a estes pobres uma ressurreição dos mortos. Até seu último ato foi o de proteger seus pobres no monte das Oliveiras: “Os amou e os amou até o fim”, exalta o os Evangelhos.
 
CONCLUSÃO
 
            Evidentemente que o compromisso total de Jesus era dar esperança ao seu povo, mesmo que isso lhe custasse a vida. Enquanto que Sócrates tentava manter os valores, Jesus tentava rompê-los, pois os mesmos eram injustos. Duas atitudes nobres, mas um foi mantenedor, o outro transgressor. Sócrates morreu para a dignidade da pólis; Jesus pela dignidade das pessoas. Concluímos afirmando que os atos podem ter seus motivos parecidos, mas são bastante diferentes em linhas políticas e sociais.         

[1] Graduado em Letras (UNEB); Graduado em Filosofia (FAVI). E-mail: paulus.monterum@gmail.com
[2] PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. Manuel de Oliveira Pulquério. Edições 70. Lisboa, 2009.
[3] PLATÃO, República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbbenkian, 2001.
[4] Bíblia de Tradução Ecumênica, TEB, São Paulo: Loyola, 1994.
[5] BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

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