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quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

ARTIGO: O QUE POSSO CONHECER? UMA TEORIA DO CONHECIMENTO EM SARTRE E EM RUSSELL

 

PAULO MONTEIRO DOS SANTOS[1]

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Neste trabalho vamos fazer uma relação entre uma teoria do conhecimento em Sartre e em Russell. Lembrando que estes dois autores são de escolas filosóficas distintas: Russell pertence a escola Analítica e Sartre a escola da Fenomenologia Existencialista, aliás Sartre é o único filósofo que se declarou existencialista. As obras que iremos abordar neste dois filósofos são Os Problemas da Filosofia (Russell) e O ser e o nada (Sartre).

Qual é o problema que levantamos nestes dois autores? O problema consiste em saber como se dá o processo do conhecimento. Lembrando que não é uma preocupação neste trabalho saber o que é o conhecimento, mas sim o que conhecemos, neste sentido se faz necessário trazer as questões sobre a realidade, as coisas, e a crença.

Nosso ensaio não tem necessariamente uma linha divisória em tópicos sobre o que é a teoria de Russell, ou sobre a teoria de Sartre. Escolhemos para isso apenas um texto corrido que hora expõe as ideias de Russell, hora expõe as ideias de Sartre. O importante neste trabalho não é montar um esquema de pensamento, no entanto, temos por objetivo analisar se aquilo que conhecemos tem um ponto em comum nas obras dos dois filósofos. Observamos ainda que não vamos entrar na questão sobre conceitos como valor, amor, Deus, formas matemáticas, etc. Mas sim, trabalhar sobre as coisas que se nos apresentam de imediato como a matéria de forma geral, e a crença neste revelar-se da matéria.

 

                                                                                         
1 RUSSELL E OS DADOS DOS SENTIDOS

 

Sendo assim, uma das primeiras coisas que Russell tenta expor, embora de forma cuidadosa e apenas como forma de orientação, é a existência da matéria, a qual de algum modo nos chega pelos “dados dos sentidos”: Estes se revelam ao nosso conhecimento como um tipo de crença instintivas (RUSSELL, p.25). Sartre denomina esses “dados dos sentidos” como fenômeno (fenômeno de ser e ser do fenômeno) de forma geral, e a crença instintiva como um conhecimento intencional. Entendendo esse conhecimento intencional como se a coisa já trouxesse consigo uma natureza própria, essencial, mas Sartre argumenta que essa ideia é falaciosa.

Russell justifica que esse argumento de crença não é sólido (RUSSELL, p. 25), pois essas são crenças e não quer dizer que essas crenças, instintivas do conhecimento, não possam ser mudadas, ou substituídas, sendo que o que vejo é uma relação das coisas, e não a coisa ela mesma, se é que existe a coisa como sendo desta forma. Todavia, é salutar, aponta Russell, que a aparência nos mostra que há alguma coisa que se mostra na aparência, noutras palavras, posso duvidar que exista esta mesa, mas não posso duvidar que meus sentidos percebem algo ali. Ora pois, “qual é a natureza desta mesa real, que persiste independentemente da percepção que tenho dela?” (RUSSELL, p.29). O que Russell traz com isso é a questão da natureza da matéria.

A matéria para ciência deve ocupar um espaço e ter um movimento, mas esse espaço da matéria, para ciência, é um espaço real e público da investigação. Todavia, o espaço privado dos sentidos não é o mesmo, embora relevante. O espaço real é o público, este consiste em um consenso científico, porém o espaço privado é o da aparência, mas Russell admite uma conexão entre esses dois espaços (RUSSELL p.32). Muito apegado à ciência, Russell afirma que é preciso supor um espaço físico, pois para que nossos sentidos possam ter contacto com a coisa, é preciso haver um espaço (RUSSELL p.34).

Russell aplica ao tempo a mesma questão do espaço, tendo em vista que o tempo é muito relativo no privado: quando sofremos ele dá uma espécie de ilusão como se passasse mais devagar, e quando estamos ocupados ele passa mais rápido. No tocante existe um tempo público e um tempo privado. Ao pôr a questão do tempo, é salutar que eventos no objeto podem ocorrer a um determinado tempo e chegar a nossos sentidos por outro tempo: A luz do sol demora oito minutos para chegar na terra, mas isso não significa que o sol ainda está lá. O sol que vemos, são dados dos sentidos no tempo privado. O tempo público é simultâneo.

Observamos, com base em Russell, que tanto o tempo físico como o espaço físico (público da ciência) são desconhecidos ao nosso conhecimento direto dos dados dos sentidos, pois ninguém é capaz de sentir a presença física das coisas como elas realmente são, apenas a ciência por meios tecnológicos, (e mesmo assim considerando uma margem de erros). Um exemplo no caso do espaço é o movimento ondulatório que só pode existir em um espaço físico e não nos nossos dados dos sentidos. “A questão que permanece é se existe algum outro método de descobrir a natureza intrínseca dos objetos físicos” (RUSSELL p.37).

Uma possível resposta a essa questão, segundo Russell, seria a similaridade entre os dados dos sentidos e o objeto físico, isso já nos dá uma ponte, embora limitada. Essa ideia pode ser refutada quando se parte das análises das cores: as cores dos objetos estão relacionadas ao reflexo da luz solar e do olho humano, e não uma propriedade do objeto em si mesmo. (RUSSELL p.37). Mas esta é uma redução das propriedades dos dados dos sentidos não das coisas, no entanto, na nossa mente, ou seja, uma revelação mental real, só que na mente. Tal ideia foi chamada de idealismo.

 

2 SARTRE E O FENÔMENO

 

Em Sartre o objeto que se apresenta, não comporta uma natureza em si mesmo como se houvesse uma aparência e uma forma verdadeira (SARTRE, 2020, p. 15), pelo contrário: como a coisa (ser-em-si) se apresenta aos dados dos sentidos, se apresenta naquilo que ela é de fato (SARTRE, 2020, p. 18). Esse
seria o fenômeno de ser da coisa, pois não se pode sequer captar a coisa sem esse fenômeno, pois o fenômeno de ser já é parte da natureza da coisa (SARTRE, 2020, p. 19). Não pode haver cebola sem as camadas da cebola.

Os dados dos sentidos, para Sartre, seria o ser do fenômeno, e a estes se tem uma construção mental, já que se atribui a realidade humana essa capacidade da transcendência (SARTRE, 2020, p. 232). Assim, tanto tempo e espaço, são seres aplicados as coisas pela capacidade da consciência em transcender os objetos rumo a uma série total. Porém, não apenas tempo e espaço, como também quantidade, qualidade, modo, relação, amor, valor, falta, possibilidade, etc. (SARTRE, 2020, 249). Para Sartre, conheço a coisa diretamente por um tipo de cogito, no tocante, a consciência não se comporta de forma igualitária no ato de conhecer: Existindo o cogito pré-reflexivo e o cogito reflexivo, este seria o cogito cartesiano (SARTRE, 2020, p. 20). Ora, podemos definir, embora Sartre não o faça, que conhecemos a coisa diretamente (fenômeno de ser) pelo cogito pré-reflexivo, mas a crença na verdade da coisa se dá no cogito reflexivo (ser do fenômeno).

Embora Sartre, de fato, faça um apelo a uma teoria idealista, esta consiste em um idealismo transcendental a qual Sartre coloca aí um realismo também transcendental. Este problema, o filósofo traz de sua tradição cartesiana do cogito a qual Sartre não descarta, mas tenta fundamentar sem, no entanto, recorrer a existência metafísica de algo, mas somente ao dado metafísico da realidade humana, ontológica.

Este conhecimento seja direto, ou de verdades, não depende somente de mim, mas envolvem algumas coisas: 1) A coisa (ser-em-si); 2) Meu corpo (ser-para-si); e o 3) Outro que se revela como a facticidade, pois o mundo só pode ser mundo quando o eu é ser-para-outro. Ora, sobre os objetos, temos apenas opinião, as quais não são as mesmas que as dos outros; o mundo surge como uma ponte entre mim e o outro.

Dizemos mundo, como o conhecimento geral dos objetos, como a mesa-mundo etc. Cada coisa é ela mesmo um mundo à parte. Assim, os dados dos sentidos são os objetos, e não a coisa, pois a coisa é o conjunto e está fechada em si mesmo, sendo apenas captada como fenômeno. Nossa conclusão, em Sartre, é bastante complicada, já que as respostas do meu corpo vem de forma confusa, precisando do outro para garantir uma certeza, ou seja, o outro é a ponte.

 

CONCLUSÃO

 

Para concluir nosso trabalho, voltamos à questão de como se dá o processo do conhecimento tanto em Sartre como em Russell: Notamos que há muita similaridade entre os autores, mesmo de correntes filosóficas distintas; Sartre apela que a garantia do processo do conhecimento se dá pelo outro; e Russell aponta uma similaridade na questão do conhecer pela ciência, a qual determina a verdade do fato. Em geral, tanto em um como no outro, se necessita de uma conhecer rigoroso, mas que tal conhecer abarca uma conversão que é encontrada em um terceiro elemento, por vias rigorosas no outro, ou na ciência dos fatos.

 

REFERÊNCIAS

 

RUSSELL, Bertrand. Os problemas da Filosofia. Tradução Jaimir Conte. Reimpressão, 1972.

 

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. 24. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020.

IMAGEM DE SARTRE. Disponível em: http://obviousmag.org/cinema_pensante/2015/10/sartre-um-pessimista-sera-mesmo.html

IMAGEM DE RUSSELL. Disponível em: https://www3.unicentro.br/petfisica/2020/07/31/bertrand-russel-1872-1970/

                  

      



[1] Especializando do curso de Filosofia Contemporânea – UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail: paulus.monterum@gmail.com

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