PAULO MONTEIRO DOS SANTOS[1]
INTRODUÇÃO
Neste trabalho vamos fazer uma
relação entre uma teoria do conhecimento em Sartre e em Russell. Lembrando que
estes dois autores são de escolas filosóficas distintas: Russell pertence a
escola Analítica e Sartre a escola da Fenomenologia Existencialista, aliás
Sartre é o único filósofo que se declarou existencialista. As obras que iremos
abordar neste dois filósofos são Os
Problemas da Filosofia (Russell) e O
ser e o nada (Sartre).
Qual é o problema que levantamos
nestes dois autores? O problema consiste em saber como se dá o processo do
conhecimento. Lembrando que não é uma preocupação neste trabalho saber o que é
o conhecimento, mas sim o que conhecemos, neste sentido se faz necessário
trazer as questões sobre a realidade, as coisas, e a crença.
Nosso ensaio não tem necessariamente
uma linha divisória em tópicos sobre o que é a teoria de Russell, ou sobre a
teoria de Sartre. Escolhemos para isso apenas um texto corrido que hora expõe
as ideias de Russell, hora expõe as ideias de Sartre. O importante neste
trabalho não é montar um esquema de pensamento, no entanto, temos por objetivo
analisar se aquilo que conhecemos tem um ponto em comum nas obras dos dois
filósofos. Observamos ainda que não vamos entrar na questão sobre conceitos
como valor, amor, Deus, formas matemáticas, etc. Mas sim, trabalhar sobre as
coisas que se nos apresentam de imediato como a matéria de forma geral, e a
crença neste revelar-se da matéria.
Sendo assim, uma das primeiras coisas
que Russell tenta expor, embora de forma cuidadosa e apenas como forma de
orientação, é a existência da matéria, a qual de algum modo nos chega pelos
“dados dos sentidos”: Estes se revelam ao nosso conhecimento como um tipo de
crença instintivas (RUSSELL, p.25). Sartre denomina esses “dados dos sentidos”
como fenômeno (fenômeno de ser e ser do fenômeno) de forma geral, e a crença
instintiva como um conhecimento intencional. Entendendo esse conhecimento
intencional como se a coisa já trouxesse consigo uma natureza própria,
essencial, mas Sartre argumenta que essa ideia é falaciosa.
Russell justifica que esse argumento
de crença não é sólido (RUSSELL, p. 25), pois essas são crenças e não quer
dizer que essas crenças, instintivas do conhecimento, não possam ser mudadas,
ou substituídas, sendo que o que vejo é uma relação das coisas, e não a coisa
ela mesma, se é que existe a coisa como sendo desta forma. Todavia, é salutar,
aponta Russell, que a aparência nos mostra que há alguma coisa que se mostra na
aparência, noutras palavras, posso duvidar que exista esta mesa, mas não posso
duvidar que meus sentidos percebem algo ali. Ora pois, “qual é a natureza desta
mesa real, que persiste independentemente da percepção que tenho dela?”
(RUSSELL, p.29). O que Russell traz com isso é a questão da natureza da
matéria.
A matéria para ciência deve ocupar um
espaço e ter um movimento, mas esse espaço da matéria, para ciência, é um
espaço real e público da investigação. Todavia, o espaço privado dos sentidos
não é o mesmo, embora relevante. O espaço real é o público, este consiste em um
consenso científico, porém o espaço privado é o da aparência, mas Russell
admite uma conexão entre esses dois espaços (RUSSELL p.32). Muito apegado à
ciência, Russell afirma que é preciso supor um espaço físico, pois para que
nossos sentidos possam ter contacto com a coisa, é preciso haver um espaço
(RUSSELL p.34).
Russell aplica ao tempo a mesma
questão do espaço, tendo em vista que o tempo é muito relativo no privado:
quando sofremos ele dá uma espécie de ilusão como se passasse mais devagar, e
quando estamos ocupados ele passa mais rápido. No tocante existe um tempo
público e um tempo privado. Ao pôr a questão do tempo, é salutar que eventos no
objeto podem ocorrer a um determinado tempo e chegar a nossos sentidos por
outro tempo: A luz do sol demora oito minutos para chegar na terra, mas isso
não significa que o sol ainda está lá. O sol que vemos, são dados dos sentidos
no tempo privado. O tempo público é simultâneo.
Observamos, com base em Russell, que
tanto o tempo físico como o espaço físico (público da ciência) são
desconhecidos ao nosso conhecimento direto dos dados dos sentidos, pois ninguém
é capaz de sentir a presença física das coisas como elas realmente são, apenas
a ciência por meios tecnológicos, (e mesmo assim considerando uma margem de
erros). Um exemplo no caso do espaço é o movimento ondulatório que só pode
existir em um espaço físico e não nos nossos dados dos sentidos. “A questão que
permanece é se existe algum outro método de descobrir a natureza intrínseca dos
objetos físicos” (RUSSELL p.37).
Uma possível resposta a essa questão,
segundo Russell, seria a similaridade entre os dados dos sentidos e o objeto
físico, isso já nos dá uma ponte, embora limitada. Essa ideia pode ser refutada
quando se parte das análises das cores: as cores dos objetos estão relacionadas
ao reflexo da luz solar e do olho humano, e não uma propriedade do objeto em si
mesmo. (RUSSELL p.37). Mas esta é uma redução das propriedades dos dados dos
sentidos não das coisas, no entanto, na nossa mente, ou seja, uma revelação mental
real, só que na mente. Tal ideia foi chamada de idealismo.
2 SARTRE E O FENÔMENO
Em Sartre o objeto que se apresenta,
não comporta uma natureza em si mesmo como se houvesse uma aparência e uma
forma verdadeira (SARTRE, 2020, p. 15), pelo contrário: como a coisa
(ser-em-si) se apresenta aos dados dos sentidos, se apresenta naquilo que ela é
de fato (SARTRE, 2020, p. 18). Esse
seria o fenômeno de ser da coisa, pois não
se pode sequer captar a coisa sem esse fenômeno, pois o fenômeno de ser já é
parte da natureza da coisa (SARTRE, 2020, p. 19). Não pode haver cebola sem as
camadas da cebola.
Os dados dos sentidos, para Sartre,
seria o ser do fenômeno, e a estes se tem uma construção mental, já que se
atribui a realidade humana essa capacidade da transcendência (SARTRE, 2020, p.
232). Assim, tanto tempo e espaço, são seres aplicados as coisas pela
capacidade da consciência em transcender os objetos rumo a uma série total.
Porém, não apenas tempo e espaço, como também quantidade, qualidade, modo,
relação, amor, valor, falta, possibilidade, etc. (SARTRE, 2020, 249). Para
Sartre, conheço a coisa diretamente por um tipo de cogito, no tocante, a
consciência não se comporta de forma igualitária no ato de conhecer: Existindo
o cogito pré-reflexivo e o cogito reflexivo, este seria o cogito cartesiano
(SARTRE, 2020, p. 20). Ora, podemos definir, embora Sartre não o faça, que
conhecemos a coisa diretamente (fenômeno de ser) pelo cogito pré-reflexivo, mas
a crença na verdade da coisa se dá no cogito reflexivo (ser do fenômeno).
Embora Sartre, de fato, faça um apelo
a uma teoria idealista, esta consiste em um idealismo transcendental a qual
Sartre coloca aí um realismo também transcendental. Este problema, o filósofo
traz de sua tradição cartesiana do cogito a qual Sartre não descarta, mas tenta
fundamentar sem, no entanto, recorrer a existência metafísica de algo, mas
somente ao dado metafísico da realidade humana, ontológica.
Este conhecimento seja direto, ou de
verdades, não depende somente de mim, mas envolvem algumas coisas: 1) A coisa
(ser-em-si); 2) Meu corpo (ser-para-si); e o 3) Outro que se revela como a
facticidade, pois o mundo só pode ser mundo quando o eu é ser-para-outro. Ora,
sobre os objetos, temos apenas opinião, as quais não são as mesmas que as dos
outros; o mundo surge como uma ponte entre mim e o outro.
Dizemos mundo, como o conhecimento
geral dos objetos, como a mesa-mundo etc. Cada coisa é ela mesmo um mundo à
parte. Assim, os dados dos sentidos são os objetos, e não a coisa, pois a coisa
é o conjunto e está fechada em si mesmo, sendo apenas captada como fenômeno.
Nossa conclusão, em Sartre, é bastante complicada, já que as respostas do meu
corpo vem de forma confusa, precisando do outro para garantir uma certeza, ou
seja, o outro é a ponte.
CONCLUSÃO
Para concluir nosso trabalho,
voltamos à questão de como se dá o processo do conhecimento tanto em Sartre
como em Russell: Notamos que há muita similaridade entre os autores, mesmo de
correntes filosóficas distintas; Sartre apela que a garantia do processo do
conhecimento se dá pelo outro; e Russell aponta uma similaridade na questão do
conhecer pela ciência, a qual determina a verdade do fato. Em geral, tanto em
um como no outro, se necessita de uma conhecer rigoroso, mas que tal conhecer
abarca uma conversão que é encontrada em um terceiro elemento, por vias
rigorosas no outro, ou na ciência dos fatos.
REFERÊNCIAS
RUSSELL, Bertrand. Os problemas da Filosofia. Tradução Jaimir
Conte. Reimpressão, 1972.
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de
Paulo Perdigão. 24. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020.
IMAGEM DE SARTRE. Disponível em: http://obviousmag.org/cinema_pensante/2015/10/sartre-um-pessimista-sera-mesmo.html
IMAGEM DE RUSSELL. Disponível em: https://www3.unicentro.br/petfisica/2020/07/31/bertrand-russel-1872-1970/
[1] Especializando
do curso de Filosofia Contemporânea – UEFS – Universidade Estadual de Feira de
Santana. E-mail: paulus.monterum@gmail.com
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