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quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

ENSAIO: LIBERDADE E SEGURANÇA NA MODERNIDADE LÍQUIDA

            Este tema nasce de uma entrevista de Bauman no programa Café-Filosófico da TV Cultura. No final da entrevista, Bauman formulou a seguinte questão: O Grande problema do indivíduo na pós-modernidade é saber chegar a um equilíbrio entre sua liberdade e sua segurança, já que uma anula a outra no nosso meio humano.

Notadamente, Bauman traz novamente a discursão para o cenário da pós-modernidade a liberdade e o determinismo (determinismo como segurança). Evidente que minha garantia de Segurança elimina a minha liberdade, ou vice-versa.

Para o melhor andamento deste tema, vamos dividir nossos discursões sobre quatro pontos: 1) discutir a Liberdade e o determinismo em Kant; 2) Depois, a Liberdade sartreana e o seu fina na ética; 3) Discutir a Liberdade Líquida de Bauman e sua antinomia com a segurança dos indivíduos, por fim, 4) usar exemplos do cotidiano como analogia da liberdade Líquida.

 

1 LIBERDADE KANTIANA

 

Em sua obra Crítica da Razão Pura, Kant chegou à conclusão que a Liberdade e o Determinismo são antinomias do conhecimento humano, ou seja, por mais que se discuta nunca chegaremos a algum lugar, apenas a aporias, becos sem saídas, porém é preciso que o sujeito utilize-se sempre destas antinomias, pois elas se encontram em seu uso da razão, mas mesmo em Kant é preciso de um poder “coator”, sem o mesmo, o sujeito está a esmo: Ou se necessita da razão para lhe guiar com liberdade ou se necessita de um poder para lhe guiar com segurança.

Não é o homem, que com suas próprias forças quem se liberta sozinho, mas precisa do poder da iluminação, o Espirito Absoluto para lhe guiar, na razão plena. Lógico que falamos aqui do Idealismo alemão. A liberdade kantiana não é algo inerente ao ser humano, ela é uma busca, que dá ao homem o esclarecimento. E este homem é o europeu, pois estamos na era do iluminismo. A ideia aqui é eurocêntrica. (KANT, 1980).

Entre os períodos dos séculos XIX e XX a razão kantiana definhou. O homem não era esse animal racional totalmente, mas também irracional, prova disso foram as duas grandes guerras mundiais. O filósofo francês Jean Paul Sartre vai cria um novo conceito de humanidade, que nem mesmo será de “homem”, legado da modernidade, pois no período do século XX, com as crises que se seguiram, apareceu o Judeu, os povos negros, o cigano e a mulher. 

 

2 LIBERDADE EM SARTRE

 

Sartre inspirado em Scheller  e seu conceito de “pessoa”, vai chamar esse novo agente de Ser-para-si (usando o método fenomenológico para suspender seu material de estudos) e este novo ser é Liberdade.

Não é a Liberdade a libertação de ser, mas quando afetado por sua angustia no mundo, este ser ativa sua principal condição: a Liberdade. Na verdade, este ser está condenado a liberdade, pois mesmo que eu a negue, ou negue sua existência, entro em crise, porque minha liberdade sou eu.

O fato de eu nega-la já demonstra minha escolha e condenação: O homem é liberdade, protela Sartre. Sendo um ser de liberdade, é preciso de uma ética da liberdade porque existe o outro e o ser-para-se é também um ser-para-outro. A ética vai delimitar a minha liberdade, por isso uma ética fundada no outro. (SARTRE, 1997).

Com o advento das duas grandes guerras mundiais, e as guerras da transição entre o século 20 e 21, o ser humano se mostrou não mais um ser seguro no seu futuro, e passou a conviver com o medo. O Estado, não garante mais totalmente a dar uma segurança a todo sujeito humano. A segurança só vai até a fronteira. Mesmo o Estado vai aos poucos deixando de existir e menos ainda a dar segurança. Esta segurança é mais concreta se a pessoa se filia a grupos, comunidades, etc. A segurança é feita por câmeras e nem mesmo a tecnologia supre o medo. E esse medo não é de todo ruim ao mercado, pois gera lucros, põem o sujeito mais ansioso em suas necessidades, e isso faz com que este indivíduo gaste. Surge assim a sociedade de consumo, se é que existe mais uma sociedade, como nos afirma Bauman.

 

3 LIBERDADE E SEGURANÇA LÍQUIDA

 

Bauman pensa o ser humano da pós-modernidade um indivíduo fluído em oposição ao sólido da modernidade. Fomos libertados, mas esta liberdade afetou nossa segurança e nossas escolhas nos levam a opções infinitas de coisas características do mundo do consumismo atual. (BAUMAN, 2021). Para expressarmos de maneira didática essa realidade líquida, vamos dar alguns exemplos:

1)    Exemplo do Namoro Líquido:

Ora, eu tenho uma namorada, ou namorado, e nós nos amávamos: “Eu preciso de você porque quero que construamos um futuro juntos: ter nossa casa, ter nosso carro, dividir as despesas, além de nossa afetividade. ”  Mas um belo dia ela se vira e diz: “Olha eu pensei melhor e acho que deveríamos terminar, pois penso que um relacionamento vai tirar nossa liberdade. Logo agora que estou trabalhando estudando, creio que este compromisso me limitará. ”  Depois me diz novamente: “Olha acho que preciso de um psicólogo, pois cada vez que me relaciono, eu invento uma briga, discussão para terminar.” Ele ou ela, no fundo não sabe, mas essa é uma crise de nossos tempos entre a liberdade e a segurança: “Devo seguir um relacionamento e ter segurança juntos? Ou assumir os riscos de minha liberdade e viver só?

2)    Exemplo dos grupos ou comunidades:

Eu dava aulas havia 06 anos, em 2015, e já tem 05 anos que não dou mais. Quando dava aulas, eu gostava de aplicar trabalhos em grupos e a nota geralmente era dada ao grupo como um todo. No fundo esse método me dava uma vantagem que era, não ter que avaliar cada aluno individualmente.

Para os alunos, pensava eu, que lhes ajudava na socialização do estudante na sala e na sociedade. Mas ao longo do tempo eu fui percebendo problemas nesse método, pois os grupos da sala geralmente não aceitavam alguns colegas: por terem déficit de atenção, ou ser violento, ou por serem imperativos, ou ter déficit de aprendizagem, ou desanimados sem querer fazer as atividades. Estes alunos sofriam rejeições. Então eu as vezes força os grupos a aceitarem os colegas e ajudarem, mas no fundo o problema já tinha sido instalado, e o aluno já tinha sido marcado.

Eu mesmo sofri com essas práticas de trabalho em grupo quando estudava em Curitiba: Lá só haviam quatro nordestinos na sala, os restantes eram todos do Sul. Destes quatro, eu era o que mais tinha problemas na aprendizagem, até hoje tenho, e mesmo esse grupo não me aceitava e sempre inventavam desculpas para não fazerem trabalhos comigo. Então tive que falar ao meu professor que a partir daquele momento iria fazer minhas atividades só. O professor não aceitou a princípio, mas depois foi cedendo. Porém ao decorrer do tempo, os seminaristas do Rio Grande do Sul tiveram piedade de mim e me inseriram entre eles. 

Os grupos, neste contexto, nos dão segurança, mas se formos rejeitados não vamos ter liberdade suficiente para estudar, a depender da regra que se impõe em uma instituição de ensino. Será que foi diferente dos judeus na Alemanha; dos ciganos na Europa, dos Imigrantes? Será que estas pessoas se inserem em algum destes grupos? Será que a regra não se aplica aqui também?

3)    Exemplos do Indivíduo em grupo:

Ora, meu pai é alcoólatra, e minha mãe é submissa a ele, na verdade tem medo dele. Eu me criei neste contexto de violência em casa e de pobreza. Meu pai saia para o trabalho e voltava bêbado. Minha mãe trabalhava demais, e na verdade eu sentia que ela tinha ciúmes de mim, me achou feia no nascimento. Me chama de feia. Imaginemos o que é isto para uma criança!

Eu estudo, mas eu tenho certeza que estes estudos, nesta cidade interiorana não vão me levar a nada. A sociedade de minha cidade, eu sinto, tenta esconder livros de mim. O professor não ensina corretamente, e são raros os dias que vem a sala, se quer temos aula normal durante a semana. Ora, eu tenho que dar um jeito em minha vida.

Eu sou uma mulher já crescida, então vou para a cidade grande, lá eu percebo que tenho um corpo bonito, e eu vou tratar o mundo como ele me trata, com sensações. Eu sou livre, dona do meu corpo. Serei uma profissional do sexo, me disseram que se ganha dinheiro, então vou a uma casa e uma senhora me acolhe e me respeita nesta casa. Apesar de alguns infortúnios ganho dinheiro, posso dar futuro a meu filho, coisa que meus pais nunca puderam. Que se passa? Eu abdico de minha liberdade justamente porque não tive nenhuma chance na vida e a um grupo eu sigo.

 

CONCLUSÃO

 

Nossa discussão chega a um impasse sobre a segurança e liberdade nestes tempos de modernidade líquida: Em Kant notemos que essa liberdade era uma meta a ser alcançada, não por qualquer um, mas o “homem” europeu esclarecido; Sartre afirmou que essa liberdade não era uma meta, mas o próprio ser-para-si, e que esse ser não era mais o “homem” europeu, mas toda a condição humana, e que tal liberdade nos revela o “outro”, por isso se necessita de uma ética fundada na liberdade.

Bauman, embora no mesmo propósito de Sartre, assume que para essa liberdade para ser concreta se precisa de segurança, e tal coisa sempre encalha em paradoxos. Vimos com os exemplos que no fundo a discussão de se encontrar um equilíbrio entre segurança e liberdade, é bem mais complexo do que se imagina. Mas a discussão não se encerra pois é preciso sempre se continua a questionar, pois esse é princípio intrínseco do ser humano.

 

 

Referências

 

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

 

Café-Filosófico TV Cultura: Estratégias para a vida: Zygmunt Bauman. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=IyhOBYoBns. Acesso em 03 de Mai. 2021;

 

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. In: ______.  Immanuel Kant. Tradução de Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultura, 1980. v. 1. (Coleção Os pensadores).

 

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

 

______. O existencialismo é um humanismoIn: Sartre e Heidegger. Tradução de Vergílio Ferreira. São Paulo: Editora Abril, 1973. v. 45. (Coleção).


Paulo Monteiro dos Santos 

 

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