Este tema nasce de uma entrevista de Bauman no programa Café-Filosófico da TV Cultura. No final da entrevista, Bauman formulou a seguinte questão: O Grande problema do indivíduo na pós-modernidade é saber chegar a um equilíbrio entre sua liberdade e sua segurança, já que uma anula a outra no nosso meio humano.
Notadamente, Bauman traz
novamente a discursão para o cenário da pós-modernidade a liberdade e o
determinismo (determinismo como segurança). Evidente que minha garantia de Segurança
elimina a minha liberdade, ou vice-versa.
Para o melhor andamento deste
tema, vamos dividir nossos discursões sobre quatro pontos: 1) discutir a
Liberdade e o determinismo em Kant; 2) Depois, a Liberdade sartreana e o seu
fina na ética; 3) Discutir a Liberdade Líquida de Bauman e sua antinomia com a
segurança dos indivíduos, por fim, 4) usar exemplos do cotidiano como analogia
da liberdade Líquida.
Em sua obra Crítica da Razão Pura, Kant chegou à
conclusão que a Liberdade e o Determinismo são antinomias do conhecimento
humano, ou seja, por mais que se discuta nunca chegaremos a algum lugar, apenas
a aporias, becos sem saídas, porém é preciso que o sujeito utilize-se sempre
destas antinomias, pois elas se encontram em seu uso da razão, mas mesmo em
Kant é preciso de um poder “coator”, sem o mesmo, o sujeito está a esmo: Ou se
necessita da razão para lhe guiar com liberdade ou se necessita de um poder
para lhe guiar com segurança.
Não é o homem, que com suas
próprias forças quem se liberta sozinho, mas precisa do poder da iluminação, o
Espirito Absoluto para lhe guiar, na razão plena. Lógico que falamos aqui do
Idealismo alemão. A liberdade kantiana não é algo inerente ao ser humano, ela é
uma busca, que dá ao homem o esclarecimento. E este homem é o europeu, pois
estamos na era do iluminismo. A ideia aqui é eurocêntrica. (KANT, 1980).
Entre os períodos dos séculos
XIX e XX a razão kantiana definhou. O homem não era esse animal racional
totalmente, mas também irracional, prova disso foram as duas grandes guerras
mundiais. O filósofo francês Jean Paul Sartre vai cria um novo conceito de
humanidade, que nem mesmo será de “homem”, legado da modernidade, pois no
período do século XX, com as crises que se seguiram, apareceu o Judeu, os povos
negros, o cigano e a mulher.
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LIBERDADE EM SARTRE
Sartre inspirado em Scheller e seu
conceito de “pessoa”, vai chamar esse novo agente de Ser-para-si (usando o
método fenomenológico para suspender seu material de estudos) e este novo ser é
Liberdade.
Não é a Liberdade a libertação
de ser, mas quando afetado por sua angustia no mundo, este ser ativa sua
principal condição: a Liberdade. Na verdade, este ser está condenado a
liberdade, pois mesmo que eu a negue, ou negue sua existência, entro em crise,
porque minha liberdade sou eu.
O fato de eu nega-la já
demonstra minha escolha e condenação: O homem é liberdade, protela Sartre.
Sendo um ser de liberdade, é preciso de uma ética da liberdade porque existe o
outro e o ser-para-se é também um ser-para-outro. A ética vai delimitar a minha
liberdade, por isso uma ética fundada no outro. (SARTRE, 1997).
Com o advento das duas grandes
guerras mundiais, e as guerras da transição entre o século 20 e 21, o ser
humano se mostrou não mais um ser seguro no seu futuro, e passou a conviver com
o medo. O Estado, não garante mais totalmente a dar uma segurança a todo
sujeito humano. A segurança só vai até a fronteira. Mesmo o Estado vai aos
poucos deixando de existir e menos ainda a dar segurança. Esta segurança é mais
concreta se a pessoa se filia a grupos, comunidades, etc. A segurança é feita
por câmeras e nem mesmo a tecnologia supre o medo. E esse medo não é de todo
ruim ao mercado, pois gera lucros, põem o sujeito mais ansioso em suas
necessidades, e isso faz com que este indivíduo gaste. Surge assim a sociedade
de consumo, se é que existe mais uma sociedade, como nos afirma Bauman.
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LIBERDADE E SEGURANÇA LÍQUIDA
Bauman pensa o ser humano da
pós-modernidade um indivíduo fluído em oposição ao sólido da modernidade. Fomos
libertados, mas esta liberdade afetou nossa segurança e nossas escolhas nos levam
a opções infinitas de coisas características do mundo do consumismo atual.
(BAUMAN, 2021). Para expressarmos de maneira didática essa realidade líquida,
vamos dar alguns exemplos:
1)
Exemplo
do Namoro Líquido:
Ora, eu tenho uma namorada, ou
namorado, e nós nos amávamos: “Eu preciso de você porque quero que construamos
um futuro juntos: ter nossa casa, ter nosso carro, dividir as despesas, além de
nossa afetividade. ” Mas um belo dia ela
se vira e diz: “Olha eu pensei melhor e acho que deveríamos terminar, pois
penso que um relacionamento vai tirar nossa liberdade. Logo agora que estou
trabalhando estudando, creio que este compromisso me limitará. ” Depois me diz novamente: “Olha acho que
preciso de um psicólogo, pois cada vez que me relaciono, eu invento uma briga,
discussão para terminar.” Ele ou ela, no fundo não sabe, mas essa é uma crise
de nossos tempos entre a liberdade e a segurança: “Devo seguir um
relacionamento e ter segurança juntos? Ou assumir os riscos de minha liberdade
e viver só?
2)
Exemplo
dos grupos ou comunidades:
Eu dava aulas havia 06 anos,
em 2015, e já tem 05 anos que não dou mais. Quando dava aulas, eu gostava de
aplicar trabalhos em grupos e a nota geralmente era dada ao grupo como um todo.
No fundo esse método me dava uma vantagem que era, não ter que avaliar cada
aluno individualmente.
Para os alunos, pensava eu,
que lhes ajudava na socialização do estudante na sala e na sociedade. Mas ao
longo do tempo eu fui percebendo problemas nesse método, pois os grupos da sala
geralmente não aceitavam alguns colegas: por terem déficit de atenção, ou ser
violento, ou por serem imperativos, ou ter déficit de aprendizagem, ou
desanimados sem querer fazer as atividades. Estes alunos sofriam rejeições. Então
eu as vezes força os grupos a aceitarem os colegas e ajudarem, mas no fundo o
problema já tinha sido instalado, e o aluno já tinha sido marcado.
Eu
mesmo sofri com essas práticas de trabalho em grupo quando estudava em
Curitiba: Lá só haviam quatro nordestinos na sala, os restantes eram todos do
Sul. Destes quatro, eu era o que mais tinha problemas na aprendizagem, até hoje
tenho, e mesmo esse grupo não me aceitava e sempre inventavam desculpas para
não fazerem trabalhos comigo. Então tive que falar ao meu professor que a
partir daquele momento iria fazer minhas atividades só. O professor não aceitou
a princípio, mas depois foi cedendo. Porém ao decorrer do tempo, os
seminaristas do Rio Grande do Sul tiveram piedade de mim e me inseriram entre
eles.
Os grupos, neste contexto, nos dão segurança, mas se formos rejeitados
não vamos ter liberdade suficiente para estudar, a depender da regra que se
impõe em uma instituição de ensino. Será que foi diferente dos judeus na
Alemanha; dos ciganos na Europa, dos Imigrantes? Será que estas pessoas se
inserem em algum destes grupos? Será que a regra não se aplica aqui também?
3) Exemplos
do Indivíduo em grupo:
Ora, meu pai é alcoólatra, e minha mãe é submissa a ele, na verdade tem
medo dele. Eu me criei neste contexto de violência em casa e de pobreza. Meu
pai saia para o trabalho e voltava bêbado. Minha mãe trabalhava demais, e na
verdade eu sentia que ela tinha ciúmes de mim, me achou feia no nascimento. Me
chama de feia. Imaginemos o que é isto para uma criança!
Eu estudo, mas eu tenho
certeza que estes estudos, nesta cidade interiorana não vão me levar a nada. A
sociedade de minha cidade, eu sinto, tenta esconder livros de mim. O professor
não ensina corretamente, e são raros os dias que vem a sala, se quer temos aula
normal durante a semana. Ora, eu tenho que dar um jeito em minha vida.
Eu sou uma mulher já crescida,
então vou para a cidade grande, lá eu percebo que tenho um corpo bonito, e eu
vou tratar o mundo como ele me trata, com sensações. Eu sou livre, dona do meu
corpo. Serei uma profissional do sexo, me disseram que se ganha dinheiro, então
vou a uma casa e uma senhora me acolhe e me respeita nesta casa. Apesar de
alguns infortúnios ganho dinheiro, posso dar futuro a meu filho, coisa que meus
pais nunca puderam. Que se passa? Eu abdico de minha liberdade justamente
porque não tive nenhuma chance na vida e a um grupo eu sigo.
CONCLUSÃO
Nossa discussão chega a um
impasse sobre a segurança e liberdade nestes tempos de modernidade líquida: Em
Kant notemos que essa liberdade era uma meta a ser alcançada, não por qualquer
um, mas o “homem” europeu esclarecido; Sartre afirmou que essa liberdade não
era uma meta, mas o próprio ser-para-si, e que esse ser não era mais o “homem”
europeu, mas toda a condição humana, e que tal liberdade nos revela o “outro”,
por isso se necessita de uma ética fundada na liberdade.
Bauman, embora no mesmo
propósito de Sartre, assume que para essa liberdade para ser concreta se
precisa de segurança, e tal coisa sempre encalha em paradoxos. Vimos com os
exemplos que no fundo a discussão de se encontrar um equilíbrio entre segurança
e liberdade, é bem mais complexo do que se imagina. Mas a discussão não se
encerra pois é preciso sempre se continua a questionar, pois esse é princípio intrínseco
do ser humano.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida.
Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
Café-Filosófico TV Cultura: Estratégias para a vida: Zygmunt Bauman. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=IyhOBYoBns. Acesso em 03 de Mai. 2021;
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. In: ______. Immanuel
Kant. Tradução de Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril
Cultura, 1980. v. 1. (Coleção Os pensadores).
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de
ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. 3. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1997.
______. O existencialismo é um humanismo. In: Sartre e Heidegger. Tradução de Vergílio Ferreira. São Paulo: Editora Abril, 1973. v. 45. (Coleção).
Paulo Monteiro dos Santos
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